Os Coletores e Splice são novidades nas locadoras

por Marcelo Seabra

Dois longas recentes já estão disponíveis em DVD e pertencem ao mesmo gênero, a ficção-científica. Mas um não poderia ser mais diferente do outro. Enquanto Os Coletores (Repo Men, 2010) traz lutas, perseguições e tiros, Splice – A Nova Espécie (2010) é mais contemplativo, ambientado em laboratórios. Os dois têm em comum o fato de não desenvolverem bem as discussões éticas que levantam, partindo para soluções mais simplistas. E ambos acabam decepcionando, produzindo muito menos do que poderiam.

Os Coletores nos apresenta a Remy (Jude Law – o Dr. Watson de Sherlock Holmes, de 2009) e Jake (Forest Whitaker, oscarizado por O Último Rei da Escócia, de 2006), dois coletores de órgãos não pagos. No impessoal e sujo ano de 2025, quando o Estado está perto de pedir falência, as pessoas têm a opção de comprar um órgão artificial, fabricado por uma empresa chamada The Union. Como o custo é alto e, normalmente, o pagamento é parcelado, os repo men devem encontrar aqueles que não honraram as parcelas por três meses e retomar o produto, mesmo que isso signifique a morte do cliente devedor.

Os problemas de Remy começam quando, em seu último trabalho como coletor, após ouvir a esposa e pedir transferência para o setor de vendas, ele leva um grande choque de um desfibrilador e acaba precisando de um coração artificial. Aí, as coisas ficam bem previsíveis: Remy se solidariza com seus antigos alvos e se torna incapaz de continuar na profissão que tinha. Com o salário que recebe, não conseguiria manter os pagamentos pelo coração, e logo vai se ver caçado por outros repo men.

O filme é baseado no livro The Repossession Mambo, de 2009, de Eric Garcia, também responsável pelo livro que deu origem a Os Vigaristas (Matchstick Men, 2003). Garcia escreveu o roteiro ao lado de Garrett Lerner, produtor e roteirista de diversas séries de TV, como House e Boston Public. O desenhista de storyboard Miguel Sapochnik estréia na direção de um longa-metragem. Todos os três parecem estar ansiosos por criarem belas cenas de ação e deixam os temas mais interessantes de lado, chegando a mostrar uma mulher com super-audição por ter um ouvido biônico, mas essa questão não volta a ser levantada: a possibilidade da criação de super-homens.

Tentando reconquistar o público, já disperso após momentos enfadonhos, a obra não deixa de ter um final surpresa, que até não chega a ser ruim. Só passa longe de ser inovador ou inédito, e há pistas ao longo da produção que o indicam. No final, o resultado é uma besteira de ação fácil de prever, com bons atores desperdiçados em meio à correria e matança que o roteiro impõe.

Dentre os vários longas que podem vir à memória durante a sessão de Os Coletores estão Blade Runner (1982) e Minority Report (2002), baseados em textos de Philip K. Dick, Eu, Robô (2004), da obra de Isaac Asimov e Equilibrium (2002), que bebe na mesma fonte. Mas a grande inspiração parece mesmo ser Ray Bradbury e seu Fahrenheit 451, levado ao cinema por François Truffaut em 1966 (cena acima). Afinal, trata-se de um profissional cujo ofício é odioso, num futuro triste e sem esperanças, que passa a desenvolver uma consciência e acaba lutando contra aquilo que ele mesmo representava.

O outro filme que conferi recentemente é Splice – A Nova Espécie, a realização de um sonho do diretor Vincenzo Natali. Ele pretendia conduzir o projeto logo após seu grande e inesperado sucesso, Cubo (Cube, 1997), mas não acreditava ter a tecnologia adequada, nem orçamento suficiente. Dez anos depois, a produção começou a andar e contratou Adrien Brody (Oscar de melhor ator por O Pianista, de 2002) e Sarah Polley (de Madrugada dos Mortos, de 2004), já contando com um orçamento de 26 milhões de dólares.

Brody e Sarah vivem um casal de cientistas que cria seres a partir de combinação genética, visando avanços na área da saúde e, por que não, um pouco de fama e dinheiro. Vendo que seu futuro não será muito animador, conduzindo pequenos experimentos com animais, Elsa decide usar o DNA humano em uma experiência e convence Clive a ajudá-la.

Assim, nasce Dren (anagrama para Nerd – ao lado), uma criatura difícil de prever, que não é totalmente humana, nem de nenhuma outra espécie. É algo que acaba conquistando o casal, principalmente Elsa, que a trata como uma mistura de filha e projeto de ciências. Precisando esconder a criatura das pessoas, o casal acaba levando-a para uma fazenda abandonada, onde Elsa cresceu. É aqui que a história se aproxima mais do mito de Frankenstein, quando tudo começa a dar errado e o moralismo toma conta. Aprendemos, então, a lição de que não devemos brincar de Deus. Os nomes dos personagens, inclusive, homenageiam os atores de A Noiva de Frankenstein, de 1935 (cena abaixo): Colin Clive e Elsa Lanchester.

Tudo começa sob um propósito nobre, a cura de doenças e a salvação de vidas. Algumas barreiras éticas deixadas para trás e, então, os problemas aparecem. No fundo, essas mesmas questões estão presentes nos dois filmes, de uma forma ou de outra. Em ambos, o interesse financeiro sobre a ciência é claro. Os Coletores é um conto de ação em um futuro pessimista no qual uma grande e impessoal corporação coloca preço nas vidas humanas através dos órgãos que produz. A Nova Espécie mostra uma empresa que coloca suas fichas na pesquisa genética ligada a animais para ter retorno mais rápido e sem levantar questões éticas. No embate, o segundo leva a melhor, sendo mais inventivo e menos pirotécnico.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Hah, assisti Splice esses dias...
    No começo, a trama realmente pareceu interessante, assim como a caracterização da personagem Dren, mas depois o filme ficou é muito louco. Primeiro, eu achei bem mais interessante no começo quando a forma não era tão parecida com a humana... depois eles quiseram deixar a "menina" bonita para explicar o caso com o pseudo pai. Afinal, Colin a tratava como filha também, então foi bem horrível quando eles se envolveram. Depois, achei que o filme perdeu o sentido e as coisas foram ficando cada vez mais sem explicação lógica (mesmo sabendo que isso era pouco intencional) para ainda mais fantasioso e surreal culminando num fim de dar ódio. É, achei péssimo =S

    • É, Tássia, bela descrição.. hehehe Definiu bem o filme.
      Abraço!

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