Animação é, antes de mais nada, um bom filme

por Rodrigo “Piolho” Monteiro A falta de uma identidade e a busca por ela são os panos de fundo de Rango (2011), animação que reúne novamente o diretor Gore Verbinski e o ator Johnny Depp (ambos haviam trabalhado juntos na trilogia Piratas do Caribe). Logo, nada mais natural do que a escolha de um camaleão para protagonizar essa história. E o fato de ser uma animação só soma ao filme, que ganha em qualidade, interesse e diversão de muitos live actions por aí.

Os camaleões são animais cuja característica mais conhecida é o fato de que, em certas condições, conseguem mudar de cor, mimetizando os tons e cores do ambiente ao seu redor, visando enganar tanto suas presas quanto seus predadores. Nos idos dos anos 1960, Stan Lee usou esse conceito para criar o Camaleão, o primeiro do sem-número de inimigos do Homem-Aranha a debutar nos quadrinhos. O Camaleão, que era um espião, tinha a habilidade de roubar a identidade de seus alvos por um determinado período. Ao longo do tempo, sua verdadeira identidade acabou se perdendo.

Quando a animação começa, o camaleão (ao lado, com Depp), ainda sem nome, vive uma vidinha fantasiosa e sem perigos, dentro de um aquário, tendo por melhores amigos um peixe, o tronco de uma boneca e uma palmeira, todos de plástico, com os quais encena histórias de heroísmo. Um acidente, no entanto, acaba jogando-o no meio do deserto. Nesse ambiente hostil, ele encontra uma cidade aonde acaba sendo tomado por uma lenda local e, após uma série de eventos que escapam de seu controle, termina se tornando o xerife da seca Poeira.

A partir daí, o que vemos é a velha busca do herói. Uma farsa no começo, relutante e mais conversa do que ação, Rango termina por se ver obrigado a se envolver com os problemas da cidade ao seu redor ao assumir o posto de homem da lei. O que acontece então, não difere muito das incontáveis produções hollywoodianas nas quais um homem comum – nesse caso, um camaleão – é forçado a encarar desafios e superá-los em prol de um bem maior.

O que faz de Rango um filme atraente, ideal para uma tarde de cinema com pipoca, é, principalmente, a forma como os personagens foram construídos esteticamente. Nota-se claramente que foi gasto muito tempo para que se acertasse o design dos gambás, ratos, toupeiras, répteis e anfíbios que aparecem na tela. Há, ainda, algumas viradas inteligentes – ainda que previsíveis – no roteiro que tornam-no uma boa experiência, tanto para adultos quanto para crianças. Sequências como a da perseguição aérea da carruagem, quando Rango e seus companheiros fogem de um bando de toupeiras ao som de uma versão country da famosa “Cavalgada das Valquírias”, de Richard Wagner (imortalizada em Apocalipse Now, de 1979), são sensacionais.

Finalmente, a versão dublada do filme – que domina a maioria das sessões em cartaz – se mostrou surpreendentemente bem feita, ainda que algumas das expressões que caracterizam os caipiras de Poeira pareçam ter saído diretamente do “Manual Globo de roteiro para novelas sertanejas”. Não importa a região, a expressão “uai” acaba sendo uma característica intrínseca de qualquer pessoa do interior. Ou, no caso, de qualquer animal antropomórfico.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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