Fazer sucesso no Brasil é mesmo um crime

Por Orozimbo Souza Júnior

Atribuem a Nelson Rodrigues uma frase parecida com o título deste artigo. Não tenho certeza se a frase é dele (se não for, fica sendo até que alguém a reivindique), mas o pensamento é esse: no Brasil, o pior que pode acontecer a muita gente é fazer sucesso. Isso se aplica aos esportistas, artistas, políticos e a quem mais quiser sepultar nosso bom e velho “complexo de vira-latas”.

Há algum tempo, foi divulgada a relação de concorrentes ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Para deleite dos detratores de plantão, a produção nacional “Lula, o Filho do Brasil” está fora da disputa. Certamente, quem faz as escolhas tem seus critérios e – ao menos se espera – estes são justos. Ser escolhida, dentre tantas produções de qualidade pelo mundo, deve ser tarefa das mais árduas.

Não pretendo entrar no mérito de o filme sobre a vida do ex-presidente Lula ter ou não cacife para disputar a estatueta. Acho difícil analisar roteiro, fotografia, figurino e blá, blá, blá. Assisti à produção na estreia e, com os olhos de um simples espectador, gostei muito do que vi. Se me perguntarem a respeito, admito que recomendaria sem pestanejar. Quanto aos filmes que desbancaram a produção brasileira, não posso opinar, não vi nenhum.

Mas o que chama a atenção não é o fato de nosso país estar fora do páreo (patriotada). Algumas das notícias que circularam pela internet sobre o tema trouxeram o antigo amargor da minoria barulhenta que não é fã do ex-mandatário barbudo. É salutar que não tenhamos unanimidades, pois o inspirador deste artigo já dizia que todas são burras. Mesmo minúscula, a parcela que reprova Lula tem seu valor e merece seu lugar. Contudo, comemorar a “desclassificação” de um filme por questões, ao que parecem, alheias à alçada do cinema é demais.

Em muitos dos textos comemorativos, havia o espaço para os internautas darem seus pitacos. Fervorosos, muitos meteram os pés pelas mãos e não souberam delimitar o que era opinião sobre o filme e o que era rancor político. Aliás, espaços para comentários em sites e blogs são um barato: de um lado, revelam a completa falta de conhecimento sobre quaisquer assuntos por parte de alguns pseudo-intelectuais. É impressionante ver como o país é assolado pelo analfabetismo funcional; de outro, há uma face perversa da falta de investimento estrutural histórica de nossos governantes, especialmente em educação. Muitos leitores não têm a menor condição de conjugar sujeito, verbo e complemento. Isso, para não falar naqueles que trocam SS por Ç, e vice-versa; G por J; E por I, além de um juntado enorme de hediondez para com a língua portuguesa. Quanto a essa vergonha nacional, todos os governantes têm de ser cobrados, inclusive Lula.

Voltando à alçada do cinema, que é o que interessa, 2010 foi um ano interessante para as produções nacionais. “Tropa de Elite 2” fez uma análise macro da linha tênue que separa poder público e crime organizado no Brasil e é merecedor dos prêmios e recordes alcançados. “O Filho do Brasil”, que estreou, na prática, em 2009, mas que repercutiu pra valer mesmo no ano passado, é outro longa do qual devemos nos orgulhar.

Rui Ricardo Diaz no papel principal do longa

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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