por Marcelo Seabra

É bem comum que, no fim do ano, todos divulguem listas de melhores e piores do ano. Além de conferir os textos constantes, é sempre bom ver listas como estas de críticos que acompanhamos. Assim, podemos ter um parâmetro do que é bom ou não para ele, o que permite formar uma ideia melhor do que agrada determinado crítico e saber se as suas impressões batem com as dele.

Os editores do interessante site Rotten Tomatoes, por exemplo, divulgaram o favorito de cada. O problema de listas de jornalistas estrangeiros é o fato de eles terem acesso a filmes que não chegaram aqui ainda. É o caso, por exemplo, de O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010) e Cisne Negro (Black Swan, 2010), possíveis candidatos a Oscars que permanecem inéditos no Brasil. Outro longa que ainda não tinha chegado é Incontrolável (Unstoppable, 2010), novo trabalho de Tony Scott no qual Denzel Washington e Chris Pine têm a missão de parar um trem desgovernado. Mas, de cara, já acho improvável que ele figure em uma lista de melhores do ano. Ainda mais impensável que ele fique em primeiro.

Apesar de não ter visto todos os longas que se destacaram no ano (alguns não me atraíram, como Tron: O Legado (Tron: Legacy, 2010); no caso de Toy Story 3 (2010) e Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon, 2010), ambos com quase todas as cópias dubladas, me recusei), reuni um número considerável de produções, das quais posso tirar os melhores e os piores. Não necessariamente o ano de produção oficial tem que ser 2010, mas acabou chegando aqui este ano.

Entre os meus melhores do ano, há algumas figurinhas fáceis em diversas listas. A Origem (Inception, 2010), por exemplo, sempre é mencionado. Alguns problemas foram apontados, como o fato de o filme fazer parecer que sonhos são sempre lógicos, o que os torna passíveis de manipulações. Mas esse detalhe não tira o brilho do longa, mais um ponto positivo na ótima carreira do diretor Christopher Nolan. Outro que se destaca é Leonardo Di Caprio, o ladrão de sonhos principal, exibindo a segurança habitual num papel longe de ser superficial. E 2010 já havia começado bem para o ator, com o ótimo Ilha do Medo (Shutter Island, 2010), sua nova parceira com Martin Scorsese. A adaptação da história de Dennis Lehane tem um clima constante de suspense, dando a entender que os personagens estão envolvidos em uma conspiração em torno do sumiço de uma paciente da ilha-sanatório do título.

David Fincher já havia se interessado por uma história real interessante e realizou Zodíaco (Zodiac, 2007). Depois, voltou sua atenção para algo mais atual e decidiu contar uma história que vai muito além da criação do Facebook. A Rede Social (The Social Network, 2010) vai mais fundo nas relações entre os personagens, tentando não escolher um lado e evitando mostrar o protagonista, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), como um vilão. Outra grande pedida do ano também faz o espectador torcer pelos protagonistas, mas estes sim são vilões óbvios. Os ladrões de banco de Atração Perigosa (The Town, 2010, para quem não se acostumou com o pavoroso título nacional) parecem pessoas bacanas, que poderiam ser seus vizinhos, e ocasionalmente traçam planos sem furos para roubar fortunas, agindo com a violência que a situação pedir. Ponto para Ben Affleck, que pode não ser um ator muito expressivo, mas se mostra um diretor bem mais capaz, que inclusive tem noção de suas limitações e separa para si um papel dentro de suas possibilidades. Umas das boas e inesperadas surpresas do ano.

Outro competente cineasta que se destacou foi o eterno fugitivo Roman Polanski, que chegou a editar O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, 2010) na cadeia. Problemas com a lei à parte, Polanski se mostra no perfeito domínio de sua arte na história de um escritor (Ewan McGregor) que tem um prazo apertado para produzir a biografia de um importante líder político (Pierce Brosnan), já que o colega contratado anteriormente morreu em circunstâncias suspeitas. Desde 1977, Polanski foge de países que possam extraditá-lo para os Estados Unidos, de onde fugiu após admitir ter mantido relações sexuais com uma menor. O que não impediu que O Escritor Fantasma ganhasse o prêmio de Melhor Filme Europeu do ano.

No cinema nacional, tivemos ótimos representantes, com três longas acima dos três milhões de espectadores. Tropa de Elite 2, o recordista absoluto desde a chamada retomada, merece o público que teve e está tendo. Uma produção de primeira qualidade e um roteiro corajoso, que deixa a ótima primeira parte com cara de menino ingênuo. O agora Coronel Nascimento descobre que traficantes são uma parte menor do problema, identificando nas milícias e no próprio governo os principais inimigos. Elogiar a performance do Wagner Moura é chover no molhado, mas os demais integrantes do elenco também aparecem, como Irandhir Santos (o professor/deputado Fraga), Sandro Rocha (Major Rocha) e André Mattos (o apresentador/deputado Fortunato). As outras duas fitas a levarem multidões aos cinemas tinham temática ligada ao espiritismo: Nosso Lar (com mais de 4 milhões de espectadores) e Chico Xavier (com quase 3 milhões e meio). Independente de credo, trata-se de filmes bem cuidados, com histórias cativantes, uma baseada na vida do famoso médium Chico Xavier, a outra baseada em um livro psicografado por ele.

Na área dos filmes de ação, que normalmente não exigem muita reflexão ou profundidade, uns poucos exemplares provaram que é possível divertir o público sem zombar de sua capacidade intelectual. Nessa categoria estão Salt (2010) e Kick Ass – Quebrando Tudo (2010). Salt traz Angelina Jolie como uma espécie de Jason Bourne de saias em uma trama de espionagem e traição, conduzida com firmeza pelo veterano Phillip Noyce. A agente americana é acusada por um desertor russo de tramar a morte do presidente russo e foge, pensando em proteger o marido e conseguir esclarecer a situação.

Kick Ass é a bem humorada adaptação dos quadrinhos de Mark Millar e John Romita Jr. Dave (Aaron Johnson) é um adolescente como qualquer outro que decide ser um super-herói, veste uma fantasia e vai para a rua combater o crime. Mesmo sem poderes, armas ou um mínimo de treinamento, ele acaba chamando a atenção de criminosos e de outros como ele (caso do “Big Daddy” Nicolas Cage e da jovem “Hit Girl” Chloe Moretz).

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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