A necessidade da separação dos Poderes não é atual; tal preocupação remonta à época de antigos pensadores como Platão, Aristóteles entre outros.
Pois bem. A inquietação consiste no fato de não permitir a concentração de poderes nas “mãos” de apenas uma pessoa, sendo que, com a repartição, um poder controlaria o outro, em um sistema de pesos e contrapesos.
No Brasil, a separação dos poderes é cláusula pétrea da Constituição Federal, portanto, imutável. Apesar dessa autonomia e independência, vivenciamos tempos estranhos, nos quais se faz presente um ativismo judicial exacerbado, com o Poder Judiciário imiscuído na esfera do Poder Legislativo. Exemplos não faltam, por mais que, às vezes, a resposta do Judiciário, à primeira vista, seja aplaudida por atender aos anseios sociais. O ato de julgar também é um ato vinculado ao direito posto, ou seja, ao arcabouço legal cuja responsabilidade pela elaboração das normas é privativa do Poder Legislativo.
Por evidente, que não se pretende um Judiciário engessado, mas a interpretação do julgador deve atender a aplicação da norma ao caso e aos fenômenos sociais que são mutantes; daí, advogados e magistrados não devem ser substituídos por computadores. Contudo, esta interpretação não pode chegar ao ponto de alterar a norma e/ou modificá-la. A aplicação analógica e os princípios constitucionais permitem ao Estado-Juiz uma maior liberdade na interpretação da norma posta ao caso concreto, sem por óbvio, legislar.
Em julgamento recente no STF, em que se decidia a revogação da prisão de pessoas envolvidas em um caso de aborto, o Ministro Barroso, ao proferir seu voto, ressaltou que a criminalização do aborto não é aplicada em países democráticos e desenvolvidos, como os Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Holanda, entre outros. E concluiu:
“A interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. Durante esse período, o córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno. Por tudo isso, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos Artigos 124 e 126 do Código Penal, para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre.”
Sem pretender adentrar à discussão se o aborto deve ou não ser legalizado, fato é que tal conduta é considerada crime no Código Penal, com exceção, evidentemente, daqueles autorizados pela lei e o aborto natural. Pretendeu o legislador ao criminalizar o aborto, a proteção do direito à vida do feto. O bem jurídico tutelado é a vida humana do nascituro. A legislação e a experiência alienígena invocada por Barroso poder-se-ia servir de inspiração à Academia e aos nossos legisladores, mas nunca como balizamento para aplicação de nosso ordenamento jurídico, principalmente quando diametralmente contrário à nossa legislação.
Sem críticas ao magistrado, mas a decisão deste não caberia modificar a Norma Penal ao ponto de descriminalizar o aborto nos três primeiros meses de gravidez, por maior que seja sua convicção pessoal como julgador sobre o tema, sob pena de permitir ao Judiciário fazer as vezes do legislador.
Por: Bady Curi Neto, advogado e ex-juiz do TRE-MG, fundador do escritório de advocacia empresarial que carrega seu nome.
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O debate sobre o aborto a maior dificuldade é de dialogar com o setor religioso, e por religioso estamos falando dos líderes religiosos e de suas instituições. Considerando que o Brasil é um pais laico, as religiões católico, umbanda, evangélico, espírita e outras sempre há essa dificuldade de dialogar. O discurso geralmente é assim: se legalizar o aborto de forma que sua prática não torna crime é agredir a soberania de um povo de formação majoritariamente religiosa, que, por isto mesmo, repudia tal prática. Temos que nos atermos para a vida real. Somos um povo de formação majoritariamente religiosa e temos dados alarmantes que milhões de mulheres abortam, de forma clandestina, no Brasil. A cada dias uma brasileira pobre morre por aborto inseguro, problema ligado à criminalização da interrupção da gravidez e à violação dos direitos da mulher tão celebrado esta semana.
Não evada da discussão, sem defender seus próprios argumentos, mas apenas para atacar os religiosos. Não sou religioso. Não é sobre religião que discutimos, é sobre homicídio mesmo. Na realidade, a dificuldade se põe em xeque quando discutimos onde começa a vida e, se ela já começou, por quê de podemos exterminá-la. A diferença de um zigoto para um ser humano formado é apenas o tempo. Qual o tempo da vida? Quem pode limitar o tempo da vida? O Estado pode? Na minha concepção não. A vida começa na fecundação. Não sou eu que digo, mas a biologia. A cultura não muda a natureza das coisas a este ponto. Matar para termos uma sociedade mais justa? É isso que você defende?