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De perto ninguém é normal.

Um mergulho profundo na alma e no coração de alguém tão “normal” quanto qualquer um de vocês.

Ricardo Kertzman, eu mesmo, num instante de paz.

Acho que nunca fui criança. Ao menos no sentido emocional da coisa. Desde que me entendo por gente não me lembro de ser um sujeito calmo, relaxado e equilibrado. Minhas emoções sempre estiveram à flor da pele, a ponto de, quando bem pequeno, ser constantemente provocado, pois tinha acessos de fúria em série. Adultos se aproveitavam e me provocavam ainda mais. Fosse hoje e chamaria a Maria do Rosário para prender-lhes por bullying.

Acho que jamais vivi a infância como criança. Sempre estive às voltas com pensamentos mais elaborados do que a idade deveria permitir. ¨De onde vim e pra onde vou?” é fichinha perto do que pensava nas noites insones.

É claro que andava de bicicleta, jogava ping-pong e brincava nas ruas. Jogava bola e me divertia bastante. Brasília, onde nasci e cresci, era um verdadeiro playground. Reta, arborizada, tranquila e segura. Mas o cérebro e a alma estavam sempre inquietos, aflitos, esperando catástrofes que insistiam em não chegar.

Já adolescente me tornei um pouco mais calmo. A idade me trouxe a oportunidade de despejar nos esportes, na vida social e nos amores, um pouco daquela lava emocional fervente no vulcão da ansiedade. Nesta época tive minhas maiores e melhores emoções, mesmo que estragadas por momentos extremamente angustiantes, advindos sobretudo de um núcleo familiar em constante ameaça pela iminente separação dos pais.

No início da vida adulta, um incontido desejo de sucesso financeiro me sufocava todas as noites. Queria ter e usufruir uma vida que julgava ser merecedor. Uma vida que imaginava ser a solução para as minhas angústias. Só que a cada degrau que subia mais longe ficava do prazer de viver. Um verdadeiro pânico tomava conta de mim a cada dificuldade que o trabalho trazia, e a menor possibilidade de andar para trás me causava dor intensa. Jamais entendi como eu podia sempre estar tão próximo e ao mesmo tempo tão distante do Paraíso.

Após me casar e me tornar pai, tarefa que me fez entender ainda mais o papel de um filho, o vulcão da ansiedade ressurgiu forte. As emoções e a responsabilidade de uma família, agora chefiada por mim, me trouxeram de volta todos os temores da minha infância. Medo da morte, da solidão, do fracasso, da necessidade, da separação, da perda. Minha vida havia se tornado grande demais para mim. Não eram mais só eu e eu. Eram – e são! – eu e mais duas. Ou melhor, três; já que uma terceira pessoa se juntou ao barco, que piloto oscilante como um pêndulo de relógio antigo.

Os anos vão passando e o tal vulcão não se extingue. Ao contrário! Vira e mexe ensaia uma erupção ainda mais intensa, daquelas que transbordam tudo junto ao mesmo tempo: raiva, dor, inveja, medo, tristeza, alegria…

Olhando ao meu redor me enxergo como um “normal”, como um sujeito comum, correto, honesto, amigo, solidário. Um homem que deu certo na vida, como dizem os mais antigos. Filho, pai e marido exemplares. Com defeitos e virtudes, erros e acertos. Alguém que, conforme qualquer ponto de vista, deveria estar menos inquieto, menos turbulento, verdadeiramente apaziguado.

Porém, ao olhar para dentro de mim, ao mergulhar nos meus próprios pensamentos e sensações, tudo o que vejo é um ser humano complexo, em constante conflito, atormentado por sentimentos aflitivos, pensamentos desencontrados da realidade, tenso, ansioso, incompleto, quase… infeliz.

A meia-idade é o paraíso do desconforto: Enquanto os avós partem ou já partiram, pais se despedem ou nos indicam a orfandade; e nós mesmos rumamos ao futuro comum, nos obrigando a antecipar dores que até então desconhecíamos. Vivemos olhando para baixo e para trás, para os nossos filhos, em busca de algo que nos encoraje o caminho. E encorajam, sim! Só que trazem junto ainda mais medo.

Hoje resolvi deixar o PT e o Brasil um pouco de lado e compartilhar com vocês algumas palavras (sentimentos) que, tenho certeza, são muito mais comuns do que imaginamos. E dividir sentimentos comuns nos torna menos sós e menos culpados.

Como hoje é o dia das crianças, me peguei pensando como, em tantos aspectos, ainda sou uma… criança! Como ainda sou frágil e dependente de um colo, de um abraço, de um beijo e de palavras de conforto. Como ainda tenho medo de monstros que não existem, de fantasmas que nunca aparecem, de fantasias criadas e recriadas apenas para não me permitir um período em paz.

Pois é. Para piorar o quadro, nem tenho mais o direito de “pedir uma Caloi”. A vida é Drurys!

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Ricardo Kertzman

View Comments

  • Ricardo, você está entre outros aflitos que vivem cada dia intensamente. Como sou mais velha que você, posso dizer que o tempo acalma o vulcão. No entanto isso acontece muito mais por aprendizado e auto controle, do que por entender a vida... mas assim como você, tenho o mais importante. Amor da família, um trabalho a me dedicar, pais para cuidar, filhos alçando voos para suas próprias vidas...então a cada dia suas preocupações e também seus prazeres. Abraço.

  • Ricardo o melhor de tudo é que na velhice viveremos das memórias fotográficas, sendo elas pertencentes materialmente a nós ou não , já me apropriei de muitas, principalmente das maravilhosas imagens produzidas pelos amigos abonados. Mas de tudo tenho a certeza que como meninos o pt não existia, só o PMDB e ARENA, na fase adulto conhecemos os marginais travestidos de esperança e agora viveremos melhor, pois sabemos que viemos, vimos e vencemos os petralhas, mais um pouco será para sempre. Valeu pela oportunidade do espaço, inquieto, reconfortante, crítico e acima de tudo sensato na defesa das ideias.

  • Ricardinho, é isto mesmo, exerça seu direito democrático de espinafrar quem vc quiser, só não pode achar que quem fala o contrário não tem direito a voz. Penso politicamente totalmente diferente de vc, mas suas angustias também são as minhas, e ainda aqui tem mais 4 pelos quais a gente se sente responsável. A vida é isto mesmo, esquece o PT, esquece o PSDB, esquece Dilma, esquece Temer, esquece Aécio, Serra e Alkmin esqueça todas estas pessoas e instituições que segundo vc não valem grande coisa. Vá bater uma bola, tomar um chope com um amigo que pense diferente de vc até como exercicio de convivência.Talvez vc consiga mais alguns minutos de relaxamento. É o que interessa. E traga mais uma garrafa de Sambuca...

  • Como já te disse diversas vezes, é a tua enorme sensibilidade que te faz sofrer tanto assim, e que te deixa exclui do padrão de pessoas normais: estás muito acima delas!

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