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Um grande clube não vive da caridade alheia

Foto: Pedro Souza / Atlético
Ricardo Galuppo

Uma esmola pelo amor de Deus
Uma esmola, meu, por caridade”

Esmola — Samuel Rosa e Chico Amaral

Pelo que se viu no Mineirão na sexta-feira passada, o atleticano tem motivos concretos para se sentir no limiar de uma nova era. O adversário, todo mundo viu, era fraco e o placar de 3 a 0 sobre o Coimbra pode até ser considerado modéstia diante do abismo técnico que separa as equipes. Mesmo assim, o time levou a partida a sério e é justamente aí que está o xis da questão. 

Para um grupo de jogadores que voltou a se reunir depois de quase um mês distante do futebol e que contou com a presença de companheiros com os quais nunca tinha atuado antes, o que se viu em campo foi um dos ingredientes fundamentais para qualquer clube que busque as posições mais altas do pódio: a aplicação. É ela que não permitirá que se confunda talento com firula. Sem aplicação, o craque vira um jogador comum. Com aplicação, um jogador comum pode viver momentos de craque. 

Os jogadores, pelo menos no primeiro tempo, atuaram como se o Mineiro fosse o campeonato mais importante do mundo e o Coimbra, o mais poderoso dos adversários. A estreia de Nacho Fernandez, o primeiro encontro de Hulk com o grupo principal de jogadores e a aplicação tática do time inteiro encheram a torcida de esperança de que a história deste ano será diferente da dos campeonatos anteriores. 

O Atlético tem time para disputar para valer todos os torneios que enfrentará este ano. Se ganhará ou não o Brasileirão, a Copa do Brasil e a Libertadores são outros quinhentos. Tenho certeza, porém, de que pelo menos uma dessas taças daqui a pouco estará exposta na sala de troféus da Avenida Olegário Maciel, 1516, Lourdes, Belo Horizonte, MG.

O time ainda não está pronto. Há muita coisa para acertar e algumas lacunas a preencher, mas se eu sei disso, os empresários que investem no Atlético e são responsáveis pela montagem do time, também sabem. O Atlético ainda está em construção. Porém pelo que sugerem os movimentos dos investidores, o objetivo não é juntar um bando de jogadores numa “Selegalo” ou algo que o valha. (Pai, afaste de mim a lembrança daquela tragédia!). E depois de consumado o fracasso do projeto, virar as costas e deixar o clube de pernas para o ar e entregue à própria sorte.

LIÇOES DE MARKETING

Nada disso. O objetivo é estruturar o Atlético e torná-lo autossustentável dentro de quatro ou cinco anos. Mas, até lá, garantir o apoio financeiro necessário para que os torcedores, no futuro, não precisem apelar para a caridade alheia diante do risco de ver o clube seguir em marcha acelerada para o beleléu.

Foi o que aconteceu no domingo passado com aquela torcida vaidosa que ainda deve penar por muito tempo na segunda divisão do campeonato brasileiro. Dias atrás, um torcedor destacado daquela agremiação vaidosa, um cara que até merece nosso respeito e nossa admiração por seu trabalho como artista, teve a pachorra de recomendar que os atleticanos que hoje patrocinam o Galo também coloquem dinheiro no clube para o qual ele torce. Em seus delírios, esse torcedor deu a entender que os empresários que hoje investem para adequar o Galo à nova realidade do futebol mundial estariam agindo contra seus próprios negócios por não apoiar de maneira igual a todos os clubes de Belo Horizonte. 

Vivendo num mundinho fechado, é provável que esse pacato cidadão realmente se julgue em condições de dar lições de marketing aos investidores atleticanos e que, de fato, nutra a esperança de que seus sábios ensinamentos acabarão por convencer Rubens Menin e seus pares a despejar dinheiro no poço sem fundo em que se transformou aquele clube em estado pré-falimentar. Sinal dos tempos: não me lembro de ter ouvido da boca desse ou de qualquer outro torcedor vaidoso uma única palavra de solidariedade na época em que apertos financeiros quase empurraram o Galo para a insolvência.

https://atleticomineiro.tripod.com/mineiro99.htm
“PATROCÍNIO NA CAMISA”

Sim. Em sua história recente, o Galo foi rapinado por uma série de cartolas, sendo que, entre eles, Paulo Cury foi o mais voraz. Com as finanças em frangalhos, o Atlético esteve à beira do abismo e só não deu o passo que o faria despencar definitivamente nas profundezas porque, nas palavras do ex-presidente Alexandre Kalil, ele é grande demais para caber em qualquer buraco. Dali para cá, muita gente contribuiu para colocar ordem na casa. O Atlético reconheceu suas dificuldades e se esforçou para equacionar suas finanças, ainda que isso lhe custasse caro dentro dos gramados, é a mais pura verdade. 

Os torcedores vaidosos que hoje imploram pela caridade dos atleticanos endinheirados talvez não se recordem da empáfia que eles e os diretores do clube para o qual torcem exibiam até pouco tempo atrás, quando se vangloriavam de sua suposta superioridade financeira sobre o Atlético. Depois da sapecada impiedosa por 4 a 2 aplicada pelo Galo na primeira partida das quartas de final do Brasileirão de 1999, por exemplo, o diretor de futebol da dita agremiação, que vinha a ser irmão do então presidente, deu uma aula de arrogância tão inesquecível quanto ridícula. 

Em entrevista logo após a primeira partida, ele prometeu atropelar o Galo no domingo seguinte e se sagrar campeão brasileiro. Até aí, tudo bem. O problema foi o argumento que utilizou ao dar seu faniquito. Seu clube, segundo ele, não perderia duas partidas seguidas para um adversário que sequer tinha patrocínio na camisa e que treinava num campo que mais parecia um pasto. Talvez eles já tenham se esquecido disso, mas eu não me esqueci.

A situação financeira do Galo àquela altura era das mais lastimáveis mas mesmo assim a diretoria da época , presidida por Nélio Brant (um nome que nunca recebeu da torcida o devido reconhecimento) não aceitou os valores aviltantes que os eventuais patrocinadores ofereceram ao Galo. E preferiu mandar a campo um time com as camisas limpas, sem qualquer marca estampada, do que implorar por uma esmola, pelo amor de Deus, uma esmola só por caridade. 

DINHEIRO EM ÁRVORES

Bem. As previsões do dirigente vaidoso não se confirmaram. Na partida seguinte, nem o patrocínio que estampavam nas camisas nem o conforto da concentração que eles tinham acabado de construir na Enseada das Garças foram capazes de impedir nova derrota. Desta vez por humilhantes 3 a 2. Se aquilo lhes ensinou algo, logo trataram de esquecer. E eles continuaram posando de ricos enquanto o Galo vivia a dura realidade de quem sabe que dinheiro não dá em árvores.

As quartas de final do campeonato de 1999 foram um momento especial — que, para nós que vibramos com alegria nas vitórias, significou uma dose extra de euforia e valeu por um título. Qual de nós não se encantou naqueles jogos com a garra e o talento de Marques e com os gols oportunistas de Guilherme? Quem não se lembra da segurança de Veloso, da precisão de Cláudio Caçapa e da liderança de Gallo? 

Foram momentos inesquecíveis que nos encheram de alegrias, mas nos colocaram diante da dura realidade. A mesma realidade que, nos dias de hoje, por sinal, a turma do lado de lá se recusa a enxergar. Ali ficou claro que, se não tapássemos os buracos abertos nos anos anteriores e que continuavam sorvendo os recursos do clube, não teríamos fôlego para manter uma sequência de feitos gloriosos. 

Clubes endividados podem até se superar e, na base da garra e da entrega de jogadores apoiados por uma torcida apaixonada, ganhar partidas improváveis. Pode até conquistar um título importante ou outro, como conquistamos a Libertadores de 2013 e a Copa do Brasil de 2014. Mas não se tornará uma potência respeitada nem conseguirá fazer num ano uma campanha melhor do que a da temporada anterior. Para isso o clube precisa estar estruturado. O Galo está se preparando para este momento e, quando ele chegar, perceberemos que nossos fracassos nos serviram de lição e que valeu a pena não perder a fé no Galo. Eu acredito.

Blogueiro

View Comments

  • Boa noite!!! Vc faz belos comentários, resgata belas histórias do Atlético. Mais, amigo, acho que vc não é tão inocente, acredita neste história, de que os mecenas não tem interesse nenhum, visando lucro. Menin está investindo pq quer um retorno, principalmente em relação ao estádio, não tem nada de caridade. Me ajuda aí.

  • Boa tarde, não sou cruzeirense, tampouco atleticano! Gostaria de entender o seguinte: se a MRV põe $ no Atlético não é esmola, mas se fizer isso no Cruzeiro é esmola? Por que?

  • DOMINGOS SÁVIO ,

    excelente resenha !
    A sua observação quanto ao Réver e Tardelli faz todo sentido .

    Cuca , ao meu sentir , não tem muita vocação pra "peitar" paneleiro .

    Vamos aguardar.
    Pode ser que tenha mudado.

  • MARCOS ,

    sobre o GALUPPO eu o questionei uma vez se ele era parente do Renato, advogado aí de nossa terra, Curvelo .

    Não obtive resposta .

  • MÁRIO ,

    o estádio , que do Atlético só tem as cores ( é Arena MRV que chama , não é ? ) é o garantidor desse salto para o futuro , desse projeto inovador , dessa nova gestão , desse "novo olhar" do futebol , do novo CAM , da nova história , dessa presepada toda em torno da construção de um campo de futebol .

    E a torcida preocupada com o CLUBE que a ela não deve satisfação alguma do que entra ou sai do caixa, pois pertence agora aos "mecenas"

  • Como sempre, preciso nas palavras! Por mais que eu tenha meus 26 anos, também não me esqueço da história escrita e da que acompanhei de perto. Passamos por muitos perrengues, na tentativa da recuperação do clube entre os anos de 2001 e 2010/2011, que em momento algum tivemos essa "ajuda" do lado de lá, pelo contrário. E não vejo como vingança, é justiça. Afinal, são negócios. Isso faz parte do jogo chamado "Mundo do Futebol". E olha que a tragédia azul já foi anunciada pelo Kalil antes da "bomba estourar". Enquanto a gente se cuidava, entendia a realidade e se apegava ao time da mesma forma, o lado de lá fez tudo ai que já sabemos.

    Agora sobre o Galo, vamos pra frente. Sempre. Apoiar o Cuca é o primeiro passo. O cara já instalou no clube um ambiente que não tinha em 2020 e que, com os reforços pontuais, nos animam bastante para esse temporada. Vamos, Galo!

  • Lembremo-nos que não existe mecenas no futebol brasileiro. Se estiver havendo um derramamento de dinheiro pra aquisição daquele ou desse jogador e técnico. é sinal que existe interesses ocultos e que fatalmente a conta vai chegar, e com juros estratosféricos É no mínimo suspeito esse investimento abissal, considerando a falta de rendimentos por causa dessa pandemia. Esperemos pra ver onde vai dar essa orgia financeira!

  • Gostaria muito de acreditar. Hoje, não acredito ainda, apenas me iludo. Torço para que o excelente articulista esteja certo e o galo vença, pelo menos, mais um brasileiro, por enquanto. Porém, meu caro articulista (de cuja família Galuppo é provável que seja a mesma que aportou em Curvelo, minha terra, há mais de um século. Gente muito boa e que conheci vários), não se pode esquecer de que banqueiro não faz caridade prá futebol (sei e conheço vários que bancam respeitáveis filantropias), mas no futebol meu caro, uma hora a conta chega e pode ser tarde demais.

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