Os tropeços recentes do time não foram suficientes para alterar uma verdade que une todo Atleticano. Falar do Galo nos dias de hoje é muito mais fácil do que foi no finalzinho dos anos 1980 e nos anos 1990 — quando o alvinegro vivia numa corda bamba permanente, ao sabor de administrações incompetentes que quase empurraram o Clube Atlético Mineiro definitivamente para o buraco. Era difícil, naquela época, acreditar que haveria bonança depois da tempestade. Que a massa conseguiria ver a luz depois daquela escuridão tenebrosa que não de dissipava de jeito nenhum.
Pois foi naquele momento difícil para o Atleticano que a coluna Contra-Ataque, assinada pelo jornalista Márcio Renato no velho Diário da Tarde, tornou-se uma espécie de tábua de salvação para nosso entusiasmo. Nela, podíamos encontrar a visão otimista e as palavras de incentivo que faltavam no restante da imprensa. Ali era uma espécie de porto seguro, onde o Atleticano se sentina acolhido naquele ambiente hostil dominado pelas forças minoritárias. Me lembrei da coluna ontem, quando soube da morte do Márcio Renato — que vinha lutando pela vida num hospital em Barbacena. Desta vez, não deu para virar o jogo…
A coluna era diária. Fizesse chuva ou fizesse sol, era só abrir o jornal ou, mais tarde, buscar na internet que lá estava a crônica — com aquele estilo franco e direto dos jornalistas que produziam seus textos de um fôlego só, nas barulhentas Olivetti que batucavam nas redações de antigamente. Márcio Renato foi capaz de falar bem do Galo mesmo nos momentos mais difícil — sem abrir mão de criticar os vendilhões que quase puseram abaixo o templo alvinegro. Foi capaz de segurar uma peteca que insistia em cair e recomeçar o jogo como se a vitória fosse apenas uma questão de tempo.
Nunca ganhou para cumprir essa missão. Márcio sequer era da editoria de esportes. Jornalista formado pela PUC, tinha outras funções no jornal. Nunca escondeu seu amor para o Galo. No final dos anos 1960, foi um dos fundadores dos Dragões da FAO — que no título de 1971 estava sempre presente no Mineirão. Fora isso, era apaixonado pelos filhos, pela vida e pela natureza. Frequentador habitual da Ilha do Mel, no Paraná, viveu depois de aposentado no Arraial d’Ajuda, na Bahia. Nos últimos anos, estava em Barbacena, ao lado do Serginho, seu filho. A filha, Renata, mora em Belo Horizonte e trabalha no departamento de comunicação do Atlético.
Os dois tinham com o pai uma relação sólida e indestrutível. Ao ser convidado para escrever uma coluna esportiva na imprensa de Barbacena, Sérgio Monteiro, o Serginho, a chamou de Contra-Ataque, mesmo nome da coluna do Márcio no Diário da Tarde. Estivemos juntos em outubro de 2004, em São Paulo. Márcio, o Serginho, Jorge Guimarães e eu passamos uma tarde agradável, antes de sofrer no Morumbi com o empate por 2 a 2 contra o Criciúma.
Por uma dessas tramoias que só acontecem no futebol brasileiro, o Galo havia perdido dois mandos de campo numa partida disputada no campo do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, que não foi punido. Foi o único caso dessa natureza já visto no futebol brasileiro — mas quando a gente reclama, os adversários se unem numa orquestra macabra para nos chamar de chorões. Deixa para lá.
O Galo mandou a primeira daquelas partidas em São Paulo, contra o Criciúma. E foi esse o jogo que o Márcio e o Serginho viajaram para assistir e apoiar o time. Antes de irmos para o estádio, passamos pelo hotel onde o Galo estava hospedado, mas não conseguimos nos encontrar com o treinador Mário Sérgio, como estava programado. Ele estava acometido por uma indisposição intestinal incontrolável… O resto é história.
Fomos para o Morumbi e, numa arquibancada quase vazia, encontramos o Chico Pinheiro — que havia sido colega de faculdade do Márcio — e um bando de atleticanos. Na foto que ilustra este texto, feita naquela noite, estamos Márcio, Luciano Santos Marques (Muchacho), Flávio Perón (Virtual), Cristiano Xavier, Chico Pinheiro e eu.
A cena me voltou à cabeça com clareza, no momento em que recebi do Serginho a notícia sobre a morte do Márcio. Vinha acompanhando o caso à distância, sempre à espera de uma boa notícia que acabou não vindo. Não serve de consolo, mas pelo menos alivia saber que ele nos deixa depois de ter assistido e vibrado com as conquistas que nos faltaram nos tempos mais difíceis do Contra-Ataque.
Márcio pôde vibrar e comemorar a conquista da Libertadores de 2013, da Copa do Brasil de 2014 e dos títulos do ano passado. Isso, convenhamos, não é pouco para quem acreditava na possibilidade quando os adversários desdenhavam desse sonho que parecia inalcançável. Não era!!! Tenho a certeza de que a esta hora, no lugar para onde ele foi, já se enturmou com outros atleticanos de primeira e, numa resenha eterna, já está nos mandando a força e a energia de que necessitamos para outras jornadas.
Vá em paz, amigo Márcio. Em ritmo de contra-ataque.
Vacinado e descrente da mídia do eixo, já disse e repeti – contestado por quem…
Diferente de muitos que sustentaram que seria uma prévia da decisão da Libertadores, encarava e…
Estamos por três semanas para a temporada encerrar. Para o Galo, se conseguir o milagre…
Invertendo a ordem do título, vou primeiro falar sobre a valentia que o Galo precisa…
Eu não vou! E o time vai? Não acredito! A derrota por um gol para…
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Meu parceiro de mesa e passeios ao Taípe. Um companheiro de muitas saudades
Belíssima homenagem ao Márcio! Texto irretocável, caro Galuppo. Parabéns!
É essa Atleticanidade que anda faltando por aí nos comentaristas de rede social.
O sentimento genuíno, puro e sincero de amor ao Clube Atlético Mineiro, seja em que situação for.
Amanhã o Galo vai vencer por ele e por vários outros grandes torcedores que não estão mais entre nós...
Estive hoje no velório do Márcio, onde cumprimentei rapidamente o Eduardo D'Ávila.
Como não consigo exprimir a tristeza que sinto em palavras, deixo aqui um vá em paz Márcio.
Em meio a tristeza da despedida do grande amigo Márcio Renato, trocar algumas palavras com vc foi confortante. Que nosso MR vá em paz.
Márcio Renato, Neuber Soares e Miguel Santiago... dei boas rizadas com esse "Trio Maldito", assim como o foram Said, Jairo e Mário de Castro. Expressões como "a tal Macarronada sem Tempero"; "Coelhinho Pompom"; TSQQT; "o tal Galinho sem Esporas" ficaram para sempre no meu imaginário. Descanse em paz, Márcio Renato, e ao encontrar com o Neuber Soares tire um sarro em nosso nome e diga no que se transformou o timinho dele.
Me lembro muito bem dos textos de Márcio Renato, à época no Diário da Tarde. Eu, um menino, apaixonado pela boa escrita, por textos objetivos, apaixonados pelo Atlético me serviu como inspiração em minhas tentativas de formatar textos poéticos (incluo Roberto Drummond e Jairo Anatólio Lima), e como leitor choro sua perda, vai mais um Atleticano da gema, mais um Atleticano apaixonado pela boa escrita...