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Psicólogo graduado pela Universidade FUMEC, Pós-graduado em Psicologia Médica pelo departamento de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de Medicina da UFMG e Mestre em Educação, Cultura e Sociedade pela UEMG, tendo desenvolvido dissertação na área de Violência Contra a Mulher.

Pergunta de leitora – Fui molestada por meu padrasto e minha mãe sabe

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“Olá, Dr. Douglas Amorim! Tenho passado por momentos turbulentos em casa. Há sete anos, morávamos apenas eu e minha mãe. Era ótimo e eu era livre. Depois que ela conheceu o atual marido, tudo mudou. Cheguei a descobrir que ele a estava traindo, logo após o nascimento da minha irmã. Contei tudo a ela, eles se afastaram e, no final, ela decidiu voltar pra ele. Não aceitei porque ele já havia me assediado quando criança. As investidas continuaram durante a adolescência. Aos dezenove anos ele me assediou mais duas vezes. Contei para ela e, o máximo que fez, foi conversar com ele. Isso me matava. Sentia que devia ir a polícia mas, pensava que isso não seria bom pra minha irmã, entende? Após a traição ela se ligou excessivamente à igreja católica e os dois participam de um conselho de casais. Sou obrigada a ir à missa aos domingos. Eu me considero agnóstica e acabo indo pra não brigar. Além dessa pressão por questões religiosas, sou monitorada em quais roupas posso ou não usar etc. Tenho uma vontade gigantesca de morar sozinha ou com mais alguma amiga, porém, estou desempregada. Gostaria de uma sugestão sua. O que fazer? Eu choro muito, escuto músicas calmas, leio, durmo, converso com meu namorado, mas, nada tira essa angústia de dentro de mim”.

 

Envie sua dúvida para perguntaUAI@gmail.com. Não identificamos os autores das perguntas

 

Resposta:

Querida leitora, histórias como a sua acontecem diariamente em nosso país. Um Brasil  machista, conservador e que ainda mantém a cultura de que “a mulher merece ser estuprada porque estava com roupa curta”. Claro que não estou falando de todos os brasileiros, mas, se isso acontece com tanta frequência, é porque a cultura do homem poder fazer o que quer com a mulher,  ainda perpassa nossa sociedade. Geralmente, os assédios são cometidos por pessoas muito próximas como padrastos, tios, primos, padrinhos etc. Com esse tipo de conduta não há como contemporizar.

Violência contra a mulher é crime e ponto final. E mais: não estamos falando somente sobre este tipo de violência, porque você foi molestada antes de se tornar adulta. Portanto, estamos falando de pedofilia. Ambos precisam ser denunciados sempre que ocorrerem e fica aqui meu pedido às mulheres: ao menor sinal  de violência, denuncie. Coloque a boca no trombone porque, somente assim, ficaremos livres desta praga. Atendi muitas mulheres vítimas de violência na Delegacia Especializada de Crimes Contra a Mulher, de Belo Horizonte. Os casos são revoltantes. Minha dissertação de mestrado também foi sobre este tema.

Consigo entender seus temores, principalmente em relação ao fato de você ainda ter uma irmã criança, que poderia ser impactada por sua denúncia. No entanto, isso não pode ser justificativa pra continuar sendo abusada, entende? A conduta da sua mãe também faz com que pensemos muito a respeito da relação dela com os filhos. Pelo que você disse, a interação de vocês era ótima, até o momento em que ela decidiu se casar com ele. A impressão que tenho é de que sua mãe colocou tanto você, quanto ela mesma, em segundo plano. Só posso pensar isso porque, uma pessoa que sabe que o companheiro molestou a filha, que tem ciência de que ele a traiu, e ainda continuar com ele, só pode estar fazendo uma supervalorização deste homem.

Depois disso tudo ela se liga de forma intensa à igreja católica (possivelmente buscando alívio espiritual em detrimento dessas mazelas) e chega até mesmo a participar de um conselho de casais na igreja. Espero que, pelo menos, seja como participantes para tentar ter um casamento saudável porque, se for como orientadores de outros casais, sinceramente, não consigo vê-los com preparo para uma função com esta.

Dica pra você: a partir do cenário mencionado, possivelmente você já concluiu que sua mãe escolheu compartilhar a vida com esse homem. Ela tem todo o direito de querer fazê-lo.  E você, tem todo direito de não desejar mais viver debaixo do mesmo teto que ele. No entanto, uma das coisas que mais pondero com meus pacientes e leitores, é a questão da impulsividade . Impulsividade é o famoso “fazer primeiro e pensar depois”. Usualmente dá errado.

O que seria primordial a meu ver, seria inicialmente, tomar a decisão que já está se desenhando dentro de você. A de sair de casa e ir construir sua história. Parece-me uma boa escolha diante de tudo que contou. Agora, que tal fazer a coisa de forma planejada? Vivemos uma época de desemprego elevado, mas, sabemos que nenhuma crise dura pra sempre. Concentre todo seu esforço na busca por um posto de trabalho até consegui-lo. Pode demorar, mas, tenha persistência, confiança e disciplina em sua busca. Mais cedo, mais tarde, vai acontecer. Ninguém irá ficar desempregado pra sempre, certo?

A partir deste novo trabalho, você fará contas. Isso mesmo. Sondar a possibilidade de dividir um local com amigas, faz com que o custo fique mais baixo para todas. Conseguindo algo que esteja dentro do seu orçamento e que ainda sobre dinheiro suficiente para as outras despesas, aí sim, você poderá fazer essa escolha. Se for sair de casa, é bom que tudo seja planejado porque, fazer a coisa mal feita e depois voltar com a cabeça baixa pra casa de sua mãe, não seria nada fácil. Por fim, continue fazendo todas as atividades que mencionou e tenha paciência até começar a trabalhar. Realizando-as, a angústia diminuirá, porém, não será eliminada. Ela só irá embora a partir do momento em que você readquirir sua liberdade. Pense nisso. Boa sorte e, por favor, não tolere abusos de nenhuma ordem!

 

Um abraço do

Douglas Amorim

Psicólogo clínico, pós-graduado em Psicologia Médica, mestre em Educação, Cultura e Sociedade

www.douglasamorim.com.br

Instagram: @douglasamorimpsicologo

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