Belfast é a homenagem do diretor a seus compatriotas

No verão de 1969, as coisas estavam quentes em Belfast, capital e maior cidade da Irlanda do Norte. O ator, roteirista, diretor e produtor Kenneth Branagh conhece bem o cenário, onde cresceu, e usa suas memórias para fazer um dos filmes mais emocionantes do ano. Em Belfast (2021), acompanhamos o conflito entre protestantes e católicos pelos olhos de uma criança, que representa o próprio Branagh, e os reflexos dessa guerra numa família de trabalhadores locais.

Devido aos ataques entre os dois grupos de religiosos, a cidade foi uma das mais perigosas do mundo, com vários episódios de violência e mortes em confrontos com a polícia ou entre a população. A família que conhecemos e seguimos não tem sobrenome, seus membros (em sua maioria) não têm nomes. O garoto, apelidado Buddy, vive com a mãe, o irmão e o pai, que trabalha na Inglaterra e vive longe, visitando nos finais de semana. Eles não se envolvem nos conflitos, e outros cidadãos cobram do pai um posicionamento.

Esse estado de constante tensão faz o pai considerar deixar a cidade com esposa e filhos. Mas Belfast é tudo o que eles conhecem e, apesar de todos falarem inglês, eles têm medo de não conseguirem se comunicar com os britânicos, já que o sotaque dos irlandeses é bem acentuado. E há a questão dos avós, que já estão velhinhos e são apegados ao lugar. Como pode-se perceber, não é nada muito complicado, mas Branagh conta essa história com tamanho afeto e simpatia que logo de cara nos pegamos torcendo por aqueles personagens. A lembrança de Roma (2018) é inevitável, mas são rumos bem diferentes.

A competência dos atores e a química entre eles são grandes responsáveis pelo sucesso do longa. O garoto Jude Hill é um grande achado da produção e certamente vai disputar futuros projetos com o colega de Jojo Rabbit (2019). Como “Pai” e “Mãe”, temos Jamie Dornan (da trilogia dos Tons de Cinza e da série The Fall) e Caitriona Balfe (de Outlander), ambos nascidos na Irlanda (Belfast e Dublin, respectivamente). Eles conseguem manter o tom de seus personagens, que demonstram grande amor, mesmo em meio a discussões. Os veteranos Ciarán Hinds (de O Primeiro Homem, 2018) e Judi Dench (de Assassinato do Expresso Oriente, 2017) completam o elenco e são excelentes como os avós. Branagh, curiosamente, não atua aqui.

A fotografia em preto e branco de Haris Zambarloukos, constante colaborador do diretor, nos dá algumas imagens bonitas. Uma grande sacada é mostrar as cenas de Cinema e Teatro em cores, já que a arte traz vida àquelas pessoas – e será a vida propriamente dita de Buddy no futuro. E outro elemento fantástico em Belfast é a trilha sonora, composta pelo ótimo Van Morrison, também nascido na cidade. O cantor e compositor recebeu uma das sete indicações ao Oscar do filme, na categoria Melhor Canção Original. Além dela, temos Filme, Direção, Roteiro Original, Som, Ator e Atriz Coadjuvantes (Hinds e Dench). Todas muito merecidas.

A fábrica dos sonhos tem um papel importante na formação de Buddy

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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