Longas da Netflix renovam o gênero terror

Com premissas e andamentos completamente diferentes, dois longas de terror chamam a atenção na Netflix e trazem ar fresco ao gênero. Enquanto O Que Ficou Para Trás (His House, 2020) usa a conhecida ideia de casa mal assombrada para construir pouco a pouco um clima opressivo e assustador, Sem Conexão (lesie dzis nie zasnie nikt, 2020) é da escola de Sexta-feira 13, com jovens sendo massacrados em um acampamento. E, mesmo que superficialmente, os dois abordam temas importantes em suas tramas. 

Apesar de produzido no Reino Unido, O Que Ficou Para Trás nos apresenta a dois refugiados da guerra no sul do Sudão. Partindo de um ponto muito sério, cuja discussão é necessária, o diretor e roteirista estreante Remi Weekes conseguiu criar uma história poderosa para personagens, como ele, negros. É bem raro ver filmes de terror estrelados por negros, ainda mais tratando de algo tão atual como a imigração, e Weekes cumpriu bem o seu intento.

Ao fugir do Sudão, o casal Majur é preso na Inglaterra até ter sua situação averiguada e receber asilo. Direcionados à periferia de Londres, eles experimentam o racismo dos vizinhos, mas agradecem a oportunidade de terem uma casa boa e espaçosa. Bol (Sope Dirisu, de Castelo de Areia, 2017) tenta se inserir na cultura local, comprando roupas e indo a um bar para se misturar. Rial (Wunmi Mosaku, das séries Luther e Lovecraft Country) não abandona seus costumes tão facilmente, e a lembrança da filha morta a acompanha bem de perto.

As coisas ficam mais interessantes (para o público) quando a tal assombração aparece e conhecemos melhor as circunstâncias das vidas de Bol e Rial. É um terror que cria situações bem atípicas, coisa rara de se ver, e por isso mesmo muito bem-vindas. É um filme com algo a dizer, com críticas a fazer. O personagem de Matt Smith (que viveu o 11º Doctor Who, entre muitos outros) reclama que o casal tem uma casa maior do que a dele, ele só se esquece de todas as dificuldades pelas quais eles passaram e passam, por viverem num país que não é o deles.

Mais convencional, Sem Conexão parte de uma rápida discussão sobre os efeitos de tecnologia excessiva na vida dos jovens para seguir o bê-a-bá do subgênero conhecido como slasher movie. Apesar das semelhanças com as aventuras de Jason Voorhees no acampamento Crystal Lake, o filme está mais para O Massacre da Serra Elétrica (de 1974 ou a refilmagem). E não deixa de fazer um aceno a Um Lobisomem Americano em Londres (1981), que é nominalmente citado.

Diversos jovens chegam em vários ônibus a um acampamento onde passarão uma semana desconectados, em contato com a natureza, se virando em barracas e com comida enlatada. Eles são divididos em grupos menores e acompanhamos um deles pelo mato. Paralelamente, conhecemos os habitantes de uma casinha humilde. Já dá pra chutar que esses dois núcleos vão se encontrar e muito sangue vai jorrar. Prato cheio pra quem acha esse tipo de filme divertido. E mistura outros elementos que não serão citados aqui para manter a surpresa.

O diretor e roteirista polonês Bartosz M. Kowalski faz uma obra que, ao mesmo tempo em que é original, presta homenagem aos colegas mais famosos. Ele monta um grupo com os seguintes perfis: uma garota traumatizada e destemida; uma outra linda, que costuma ser tida por burra e nem por isso desiste do que quer; um atleta fortinho que é também um youtuber; um nerd que conhece as regras do Cinema de terror (e lembra o Randy de Pânico); e um outro cara que tem uma revelação que explica seu comportamento. Quase um Clube dos Cinco, mas com tripas expostas.

Para quem está lendo, pode parecer besta, mas Sem Conexão é um filme cativante. Ele e O Que Ficou Para Trás têm suas qualidades e, embora bem diferentes, misturam diversão com temas mais sérios. Sem Conexão, produzido na Polônia, ainda aproveita para apontar o absurdo da extrema direita que, até em um país massacrado pela guerra, saúda o nazismo. É mais um motivo para assistir, assim como ao inglês, que tem suas questões sobre imigração e as dificuldades dos refugiados. Ambos provam que aquele que tenta separar arte e política não passa de um tolo.

Em inglês, o título ficou algo como “Ninguém Dorme na Floresta Esta Noite”

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
Esta entrada foi publicada em Estréias, Filmes, Homevideo, Indicações e marcada com a tag , , , , , , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

1 respostas para Longas da Netflix renovam o gênero terror

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *