Ben Stiller reflete sobre O Estado das Coisas

por Marcelo Seabra

“A grama do vizinho é sempre mais verde”. Esse ditado consegue definir, em termos simples, a ideia por trás de O Estado das Coisas (Brad’s Status, 2017). O novo trabalho de Ben Stiller aproveita uma de suas melhores personas, se não a melhor: a do sujeito em crise, com cara de quem não tem ideia do que fazer. E a razão dessa situação deve ser comum a muita gente: se colocar em competição com outros e se sentir constantemente diminuído.

No vocabulário dos mais jovens, o termo correto seria mimimi. Ou uma expressão que anda muito comum nesses tempos: white people’s problems. É mais ou menos quando tudo na sua vida corre bem e você inventa motivos para se preocupar. Algo similar ocorre com Brad, que vive com a esposa e o filho em uma boa casa em Sacramento e tem uma ONG. Apesar de ser a capital da Califórnia, a cidade não é exatamente excitante, ou não como uma Nova York ou Los Angeles.

Resumindo, Brad tem uma vida boa, estável. Seus problemas aparecem quando ele começa a pensar na situação atual dos colegas de faculdade com quem ele andava – participações de Michael Sheen, Luke Wilson, Jemaine Clement e Mike White (abaixo), roteirista e diretor do longa. Todos estão aparentemente bem colocados, milionários e em evidência na mídia. Na cabeça dele, existe algum tipo de competição entre eles e Brad seria o perdedor, e é terrível que alguém possa vê-lo dessa forma. Essa crise surge quando ele está prestes a viajar com o filho para Boston, para visitarem faculdades e o jovem participar de entrevistas com recrutadores.

A narração constante de Stiller nos mantém informados de como a cabeça de seu personagem funciona. Os problemas que ele vê podem ser tidos como besteiras se analisados de fora. Para ele, fazem total sentido e o colocam para pensar. Nesses momentos, vemos que ele não é exatamente um cara legal, como ninguém o é 100% do tempo. Se acompanhássemos a cabeça das pessoas, isso é mais ou menos o que teríamos: boa parte de bons pensamentos, querendo o bem do próximo, e uma parcela de negatividade, babaquice, atribuição de culpa e estupidez. Esses trechos sonhadores nos remetem a Walter Mitty, outro personagem de Stiller, mas sem aquelas bobagens de auto-ajuda.

É interessante reparar na trilha sonora, assinada pelo mesmo compositor de Thor: Ragnarok (2017). Mark Mothersbaugh a alterna do modo discreto para o perturbador, seguindo o estado de espírito do protagonista. Num momento, ela quase não aparece, para na sequência nos deixar tão desconfortáveis quanto Brad. Quem traz certa leveza é o jovem Austin Abrams (de Cidades de Papel, 2015), que vive o filho de Brad. Troy vê o mundo com uma dose de inocência e tem a cabeça no lugar, sendo o maior motivo de orgulho para Brad. Mas o sujeito parece mais preocupado com a grama do vizinho.

Mike White, mais lembrado como o verdadeiro Ned Schneebly de Escola de Rock (2003), mostra um faro acertado para uma questão pertinente, e a conduz de uma forma que é prazeroso acompanhá-la. A personagem de Shazi Raja, então, entra para dar uma chacoalhada em Brad, dizendo a ele com todas as palavras que ele não tem motivo para ficar infeliz. Essa é uma mensagem que muitos espectadores podem precisar ouvir. Mesmo que um pouco previsível e ingênuo, O Estado das Coisas funciona muito melhor que uns filmes de auto-ajuda que andam chegando aos Cinemas, e é divertido.

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Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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