por Marcelo Seabra
Com dois episódios exibidos, já dá para tecer alguns comentários a respeito de Westworld (2016), nova série da HBO que pretende ajudar a tapar aquele vazio existencial que o fim da sexta temporada de Game of Thrones deixou. Em 1973, o escritor Michael Crichton teve a oportunidade de dirigir um filme e escreveu um roteiro original no gênero pelo qual é mais lembrado, a ficção-científica. Este conceito agora ganha nova vida no canal a cabo, que tem grande liberdade para tratar o material como ele merece ser tratado, não se importando com violência, nudez ou qualquer outro aspecto “adulto”.
No longa de 73 (abaixo), além de restrições de orçamento, desmandos do estúdio e limitações tecnológicas da época, observamos um certo atropelo, já que os quase 90 minutos de projeção não seriam suficientes para desenvolver todo o conceito. Crichton, autor também do livro e roteiro de Jurassic Park (1993), conseguiu fazer o filme mais lucrativo do ano da MGM, que deu origem a uma continuação e a uma série de televisão de vida curta. O casal Jonathan e Lisa Joy Nolan vislumbrou uma boa oportunidade de desenvolver melhor a história e a HBO concordou.
Entre filme e série, há poucas similaridades, além do conceito. Os personagens são radicalmente diferentes, guardando apenas os estereótipos. Entre os convidados, os humanos que vão ao parque à procura de diversão, há uma dupla de extremos, com um certinho e um meio canalha. Entre os anfitriões, os andróides que circulam indetectáveis pelo Velho Oeste, há uma mocinha, um caubói psicopata e outros tipos. Eles devem proporcionar boas histórias para os convidados, que podem interagir com as máquinas como lhes convier. Contando com o máximo de segurança possível e a garantia de não sofrerem nenhum ferimento, os humanos podem atirar, torturar e até estuprar os robôs, tudo de forma muito convincente.
Assim como em Jurassic Park, onde os dinossauros saem do controle e causam mortes e estragos, podemos esperar uma rebelião andróide no parque do Velho Oeste. No longa de 73, era Yul Brynner que dava vida a um caubói robótico que começava a tomar decisões e colocava os convidados em risco. Vestido quase exatamente como seu Chris Adams de Sete Homens e Um Destino (The Magnificent Seven, 1960), Brynner se torna praticamente o único andróide desenfreado do parque. A série consegue desenvolver isso de forma brilhante, apresentando melhor cada personagem, seja ele humano ou não, e o próprio conceito ganha um tratamento adequado. Qual seria a conseqüência de brincar de Deus? Essa parece ser a questão central, ao invés de ser apenas um passatempo escapista e esquecível, como o filme foi.
Contando também com o Midas J.J. Abrams na produção, a série Westworld tem um primeiro episódio instigante. O público de sessões promocionais ajudou muito na campanha boca a boca, elogiando a atração como algo revolucionário. Muito foi apresentado sem explicações detalhadas, o que mostra confiança na capacidade e curiosidade do espectador. O segundo episódio já ajuda a esclarecer o conceito, para os não familiarizados, e o revela na prática, para aqueles em dúvida, por exemplo, de como os andróides seriam reparados, no caso de um tiroteio. Os frequentes problemas de programação causam recalls que mal podem ser notados pelos convidados, já que há vários anfitriões para se revezarem.
No elenco da série temos nomes muito mais interessantes que os que vimos no filme. Hoje, James Brolin é mais lembrado como o pai de Josh, e o filho é extremamente mais talentoso que ele. E Richard Benjamin tem em Westworld seu provável papel de maior projeção, o que diz muito. Se os dois não são muito relevantes, não podemos dizer o mesmo de, por exemplo, Ed Harris (de Noite Sem Fim, 2015 – acima). Ameaçador e misterioso, seu “Homem de Preto” é sempre uma figura esperada. Evan Rachel Wood (de Tudo Pelo Poder, 2011) vai se firmando como uma das personagens mais importantes da série, além de uma das grandes atrizes de sua geração. Em meio a Jeffrey Wright, Thandie Newton, James Marsden, Sidse Babett Knudsen, Ben Barnes, Jimmi Simpson e Rodrigo Santoro, fica até difícil sobressair. Mas outro veterano merece destaque: Sir Anthony Hopkins (de Presságios de um Crime, 2015) traz um pouco do brilhantismo que todos conhecemos e que parecia perdido. Como o criador do parque, ele aparece pouco, mas sempre causa impacto.
Com um total de 10 episódios nessa primeira temporada, Westworld deixaria Crichton orgulhoso. Não só por ser algo bom baseado em um trabalho dele, mas por ser algo que expande e leva muito mais adiante seu argumento. Desde antes da exibição do primeiro episódio, a série já ocupava os postos mais comentados em redes sociais e esse status não deve mudar tão cedo. Jonathan e Lisa Joy provam mais uma vez que Christopher não é o único Nolan talentoso.