Tintim diverte, mas cansa também

por Marcelo Seabra

Sem falsa modéstia, Steven Spielberg afirmou, em entrevista recente, que Hergé teria gostado de seu As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintin, 2011). O diretor e o produtor Peter Jackson (de O Senhor dos Anéis) levaram às telas o jovem jornalista criado pelo quadrinista belga usando a técnica de captura de interpretação e ainda em 3D, como feito no visualmente imbatível Avatar (2009). O resultado, que tenta ser fiel ao universo dos quadrinhos, é frenético como um videogame. Começa muito bem, mas entra em um ritmo que acaba cansando o espectador.

É engraçado notar que, no Brasil, vive-se atribuindo subtítulos aos filmes, mas respeitaram o título original de Tintim. Poderia vir, como acompanhamento, O Segredo do Licorne (ou Unicórnio, como chegou nos EUA), nome de uma das três histórias que servem como base para o roteiro de Steven Moffat (das séries de TV Sherlock e Doctor Who), revisado por Edgar Wright (de Todo Mundo Quase Morto, 2004) e Joe Cornish (do novo Ataque ao Prédio, 2011), três ingleses – já que o personagem não é muito popular nos EUA. Outra é O Tesouro de Rackham, O Terrível, que foi publicada com O Segredo em uma única edição no Brasil pela divisão de quadrinhos da Companhia das Letras. A terceira é O Caranguejo das Pinças de Ouro, também lançada pela Companhia. Uma história apenas seria pouco para render um filme.

A trama começa quando o intrépido Tintim (vivido por Jamie Bell – ao lado, mais lembrado como Billy Elliot, de 2000) compra, em uma feira, uma réplica do mítico navio Licorne. Duas pessoas tentam, logo em seguida, persuadir Tintim a vendê-la, mas ele se recusa e leva a peça para casa. Após ser roubado e ter sua casa revirada, o rapaz decide ir atrás da verdade por trás da réplica, sempre buscando uma boa matéria para escrever.

Como queima de arquivo, Tintim é seqüestrado e levado a bordo de um navio pelo malfeitor Ivan Ivanovitch Sakharine (o James Bond Daniel Craig). Lá, conhece o Capitão Haddock (mais uma performance capturada do especialista Andy Serkis), um bêbado do mar que deve superar seu vício para ajudar Tintim e desvendar o mistério que cerca o Licorne. E, de quebra, derrotar Sakharine. Para essa missão, eles ainda têm a ajuda de dois policiais atrapalhados que mal conseguem prender um ladrão de carteiras que se entrega a eles. Dupont e Dupond são vividos pela recorrente dupla Simon Pegg e Nick Frost (também de Todo Mundo Quase Morto).

Spielberg e Jackson, que atuou também como diretor de segunda unidade, parecem se preocupar demais com a velocidade da ação, encadeando seqüências rápidas e deixando o conteúdo de lado. A história não faz muito sentido, mas dá-se um desconto. O chato é que não conhecemos Tintim, apenas o acompanhamos em sua correria. Torcemos mais pelo cachorro Milu, o fox terrier branco que acompanha o herói insípido e é muito mais simpático que ele. O fato de ele ser inteligente até e conseguir sempre fazer o que é necessário não é estranho para quem conhece Scooby Doo e outros animais do gênero.

Tecnicamente, a animação é belíssima. Existe uma riqueza de detalhes incomparável, como suor, saliva e expressões faciais. Os trejeitos dos personagens são interessantes por serem adequados a suas personalidades. Percebe-se a segurança de Spielberg por trabalhar com os mesmos colaboradores de sempre, como o compositor John Williams, o editor Michael Kahn e os produtores executivos Kathleen Kennedy e Frank Marshall. Isso, além da experiência de Jackson, que fez o inacreditável Gollum na saga dos Anéis. E, novamente, temos Andy Serkis envolvido. O sujeito já é tão ligado a este tipo de produção que pode emplacar uma inédita indicação ao Oscar de melhor ator por seu César de Planeta dos Macacos: A Origem (2011). Não é a toa que As Aventuras de Tintim acaba de levar o Globo de Ouro de melhor animação, prêmio nunca antes conferido a Spielberg (ao lado, com a estatueta).

Spielberg adquiriu os direitos de adaptação das revistas de Tintim logo após a morte de Hergé, em 1983. Em 2002, confirmou seu interesse e a programação inicial previa o início de produção para 2008. Houve vários atrasos, mudanças de estúdios e até de protagonista – Thomas Brodie-Sangster, o Paul McCartney de O Garoto de Liverpool (2009), teve que deixar o projeto por conflito de agenda.

O diretor, que trabalha loucamente e tem outro longa em cartaz, Cavalo de Guerra, já anunciou que pretende fazer uma trilogia e que deve passar o comando do próximo filme a Jackson, seguindo como produtor. Espero que tenhamos mais história para seguir e que, pela primeira vez, passemos a nos importar com Tintim.

O diretor e seu "assistente" na última ComicCon

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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