A cachorra Bisteca

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Um continho de terror… Toda quarta-feira era assim: d. Vitória não tinha sossego. Noite de futebol na tevê, Fabiano, o marido beberrão, se esparramava no sofá. Abria a primeira lata de cerveja, estirava as pernas pro alto e enchia a mão de amendoim torrado. Fazia da barriga grande e espalmada a sua mesa de bar. Bisteca, a cachorra aborrecida, via aquilo tudo e … Continuar lendo A cachorra Bisteca

Pressa pra quê?

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Um segundo antes de o sinal pular do amarelo para o vermelho, o homem acelerou. Quase deu com um motoqueiro que, não menos impaciente, já arrancava do outro lado. Foi quando ouvi uma voz mansa se arrastar. Delongou-se no caminho entre a boca do interlocutor e os meus ouvidos, mas chegou, íntegra: — Ter pressa pra quê? Então o autor da questão apareceu … Continuar lendo Pressa pra quê?

A camisa social

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Depois de uma temporada neste meu cantinho de mundo mais justo e igualitário, onde as roupas velhas são respeitadas, a barba tem direito de crescer e os pés estão livres dos maus-tratos dos meus sapatos apertados, deu-se a hora de encarar a vida perversa como ela é. Eu precisei vestir uma camisa social. Antes de vestir, porém, precisei desenvolver um foguete espacial usando … Continuar lendo A camisa social

A última cerveja

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com De repente, Bené anunciou que não compraria mais cerveja. Quando a última garrafa fosse aberta, ele fecharia as portas. Depois de 35 anos funcionando — desde que o dono fosse com a sua cara — o bar do Bené, em Araxá, estava com os dias contados. Os últimos dias se arrastaram feito os movimentos de um velho cansado de lustrar copos lagoinha, como … Continuar lendo A última cerveja

Quatro livros

Fui ao banheiro e comprei quatro livros. Vítima deste mundo digital, até mesmo sobre o trono dos justos, onde todos deveriam ser iguais perante as leis da natureza, acabei tornando-me desigual de mim mesmo. Afinal de contas, com poucos toques na tela do celular, lá se foram cento e tantos reais. E o homem que se levantou do trono, levantou-se mais pobre do que quando … Continuar lendo Quatro livros

‘Santa Ceia’ invertida

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Correu pelos nove círculos do inferno, até chegar aos ouvidos do chefe. Foi quando soube de uma famosa pintura que retratava o seu rival, esbanjando-se à mesa farta ao lado de 12 bons companheiros, e que vinha causando um alvoroço no reino dos mortais. Agora não havia pecado capital que o fizesse desistir. Tinha a ideia fixa na cabeça, como o próprio par … Continuar lendo ‘Santa Ceia’ invertida

As mulheres de Hitchcock

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Escrevi na semana passada que vi o meu pai chorar pela primeira vez. Agora, outra estreia inusitada dele: o primeiro filme que me indicou. Foi durante uma dessas nossas viagens de carro, quando o meu pai — que chora com a mesma frequência que nunca vai ao cinema — virou para o banco de trás e quis saber: “você já viu aquele filme … Continuar lendo As mulheres de Hitchcock

Boa notícia

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Na semana em que contávamos 10 mil mortos por “gripezinha”, Bolsonaro contaminava o Lago Paranoá com seu jet ski e Regina Duarte nos fazia engolir os versos de “Pra Frente, Brasil”, enfim, uma boa notícia: vou ser titio. Eu já sabia desde o início da semana, quando a Alessandra, minha irmã, ligou perguntando quantos fios de cabelo brancos eu tinha na cabeça. “É o … Continuar lendo Boa notícia

Sorriso de máscara

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Como um gafanhoto ataca a lavoura, eu percorria a seção de frutas, legumes e hortaliças, enchendo o carrinho de supermercado com a minha dieta da quarentena. Até que atravessei a algazarra de duas mulheres mascaradas no caminho, e parei pra observar aquele inusitado encontro de máscaras. Tamanho o entusiasmo delas, as tomei por velhas conhecidas, talvez vizinhas de frente, parentas distantes ou mesmo … Continuar lendo Sorriso de máscara

‘Lives’

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com A vida em caixote vem nos impondo, além de corpos isolados, cabeças surtadas — a do presidente então: pifou! — e coraçõezinhos apertados, experiências dignas de um conto de Franz Kafka. Um desses rompantes do absurdo ocorreu no último sábado, enquanto assistíamos ao festival de lives — do inglês: ao vivo, só que gravado — “One World: Together at Home”, transmitido na internet. … Continuar lendo ‘Lives’