Menina esquisita

Fiquei muito impressionada com o episódio do podcast “O Assunto” que trata de abuso infantil. Nele, ouve-se o depoimento da contorcionista Georgia Bergamin, que conta sobre as violências que sofreu de seu padrasto na infância. Diante do que aconteceu, por seu comportamento retraído na época, ela diz que recebia a alcunha de “menina esquisita”.

Fiquei parada nesta expressão pensando em quantas meninas esquisitas existem por aí. E em como ser uma menina esquisita às vezes esconde profundas dores, reveladas na superfície apenas por um desajuste do padrão.

Uma vez ouvi dizer que ser normal em um mundo louco era sinal de compactuar com a loucura e, portanto, um forte sintoma de anormalidade. Nesse sentido, ser uma menina esquisita seria a saída mais próxima para manter-se inteira. Adaptar-se, compactuar com o sistema patriarcal em suas exigências mais desmoralizantes, ser servil da maneira que se exige são sintomas que, na posição de esquisita, primeiro se admira e depois se execra.

Fiquei pensando em Georgia e no orgulho de ser uma menina esquisita, ferida, que apesar de suas mutilações na alma seguiu em frente com sua vida e bancou não pertencer a um estereótipo de comportamento e performance.

E quis escrever esta ode a todas as meninas esquisitas que não sucumbem apesar de suas dores. Àquelas que não se encaixam com facilidade, que já ficaram de lado seja por crises de aparência, de compreensão, de sentimentos, de desejos e de aceitação. Que todas as meninas esquisitas possam encontrar seu valor e carregar suas cicatrizes – inclusive na testa – com orgulho porque são únicas e nenhum status quo pode dizer-lhes que não se encaixam. Especialmente se esse suposto status é completamente pervertido.

2 comentários sobre “Menina esquisita

  1. Nossa, que texto maravilhoso, parabéns. Muito bem escrito e muito profundo. Me fez pensar na Bebel, minha prima, nas dificuldades e sofrimentos de ter criado sua filha da maneira que consegui, das dores diárias da alma.
    Muito bom texto para refletir.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *