Eduardo de Ávila
Sempre tive muita dificuldade por lembrar de algo que tenha sonhado durante à noite na manhã seguinte. Certa ocasião, num dos tantos e incontáveis divãs que colecionei dos 30 aos 60 anos de idade, me foi sugerido colocar caneta e papel ao lado da cama. Era para anotar quando ocorresse um sonho, daí no dia seguinte seria mais fácil lembrar e buscar o entendimento. Confiei que me ia receber a mensagem com os números da mega da virada, mas o que aconteceu foi que passei a dormir melhor e nada de acordar em sobressaltos.
Fato é que, a bem da real e da verdade, quase ninguém se lembra dos sonhos da noite no dia seguinte. Se enviam mensagens sutis, ficam registradas no inconsciente, exceto uma vez ou outra que esses registros são mais fortes e venham à tona para reflexão. Nos últimos tempos, até cheguei a me preocupar, acordava com esses registros muito fortes no meu pensamento. Sonhos amalucados, longe de ser um pesadelo, mas fortes. Por isso apelei para a expressão romaria no título. Me fizeram viajar no tempo, uma verdadeira peregrinação na minha história de vida, celebrando e festejando desejos reprimidos.
Nesse mundo atual, cada dia mais assustador – com terapia em ChatGPT (como amava meus divãs) -, vou tentando me alinhar para sobreviver nos tempos que me restam aqui nessa maluquice existencial. Semana passada, Renato de Faria aqui neste espaço do mesmo UAI, nos brindou com uma pérola imperdível. Leitura obrigatória para quem se deixa levar ao desanimo providencial dos arrogantes e poderosos donos do mundo. Em carta a Enzo, ele sacode e sugere resistir sem nunca se entregar. Isso é o que essa gente quer. Nos condenar ao fracasso que interessa a eles. E nos meus sonhos superei eventuais fracassos e ganhei dignidade.
Desde situações pueris, como ver o Hulk marcando o segundo gol do Galo frente ao Cienciano e nos tirando da amargura do empate, assegurando a vaga sonhada na Copa Sul-americana a outros também imaturos. Vou com frequência à filarmônica, na sexta-feira tentei encontrar uma pessoa que me deu uma boa dica sobre saúde no início da semana. Fui nos três níveis de cafeteria me esforçando por fazer o registro do sucesso alcançado. Nada! À noite, dormindo, finalmente encontro com ela. Ao seu lado um brutamonte – marido, namorado ou namorido – de cara fechada me encarava. Noutro sonho, o chá que tomo toda noite e mesmo sendo coado, expelindo suas ramas pelas fezes. Tudo meio sem sentido. Aparentemente! No caso do gol do Galo, acordei P da vida, comemorei demais a vitória durante o delírio sonhado.
Mas outros registros recentes tem sido gratificantes. Sem querer espezinhar, mas encontrei já na vida eterna – situação que não me atrai ainda – com um antigo adversário de lides políticas. Ele até já se foi, mas que continue por lá, dispensando nossas rusgas. Mas foi divertido nosso embate/debate no além. Se aqui debochei dele, confesso, lá ainda muito mais. Era questão lá da nossa seara municipal. Repeti tudo que fiz aqui e completei informando outras que o incauto sequer imaginava. Acordei rindo. Já em outro sonho, depois de quase 50 anos, encontrei com uma das pessoas mais importantes da minha vida. Falecido ainda na minha fase final de adolescência, nunca havia tido um único contato com ele, pois agora encontramos sem nos ver. Foi tão maluco, as conversas eram por telefone, anunciando sua volta, mas quando ia ao seu encontro eu errava o caminho e não aconteceu a desejada comemoração. Acordei leve e feliz.
Lógico que procurei fazer as leituras e interpretações de cada sonho. Nem tanto mais em busca dos números da mega, mas por entender o que seriam essas eventuais mensagens. Pesquisei, consultei com quem pode(ria) falar sobre sonhos, mas nada com nada. No final de semana, fui ver Criaturas da Mente. Documentário interessantíssimo, com o neurocientista Sidarta Ribeiro, que vai me levar a uma interessante (re)avaliação sobre esses devaneios alucinógenos. Inconformado que tudo não podia ter sido uma coincidência momentânea, fui ler a bula de um dos tantos medicamentos que que ando consumindo.
É desde os 40 anos tenho remédios de uso contínuo, nunca diminuem e sempre em número maior. São seis dessa ordem, somados a alguns eventuais e temporários, me fazem um bom cliente das redes farmacêuticas. Mas foi num desses em uso de curta duração que encontrei nos efeitos colaterais, em meio a uma série de alterações até comportamentais (que creio não ter ocorrido), anormalidades no sonho. Que bom e que mal, se pudesse eliminar só os que me incomodaram e ficar com o gol do Hulk e o encontro com o saudoso amigo. Ah! Sem dispensar uma eventual dica da mega sena.
Bom Dia Eduardo de Ávila! Ler seus textos ganhar uma passagem para a leveza. Um homem que “sonha” é um homem que “realiza”. Seu português é límpido. Abraços Patrícia Lechtman
Que massa esse relato. Também tenho a mesma dificuldade de lembrar dos sonhos, vou seguir essa ideia de colocar um lápis e uma folha ao lado da cama pq sempre na primeira hora lembro de algumas coisas e depois, nada mais!
Quanto ao sonho com gol do Hulk, guarde-o e torça pra que ele vire realidade no duelo contra o time do rato e Aragão.
Reparei que quando tenho decisões importantes, as vezes nem tanto, sonho com situações que não me deixam sair do lugar, não consigo o táxi, perco o voo depois de uma correria danada, nao consigo me arrumar para um evento… Freud explica!
E tem mesmo os sonhos vívidos, geralmente efeito de medicamentos, alguns até naturais. Você “vê e sente” os “fatos”. Acordava cansada.
Eduardo, parabéns!!! Muito bom seu devaneio. Digo, seu escrito. Gostei muito.
Faz muito bem, Dudu, em registrar seus sonhos. Dizem os entendidos q eles são reveladores. O difícil é decifra-los.
Sempre certeiro nos seus textos. Obrigado meu amigo atleticano, grande abraço e obrigado pela dica de leitura da carta ao Enzo.