Clarice Lispector, em carta escrita a sua irmã, Tania Kaufmann, em 6 de janeiro de 1948, disse: “(…) cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Esta frase ilustra muito bem o que acontece frequentemente com alguns pacientes psiquiátricos.
Diante de uma queixa, de uma dificuldade ou dor e mediante o tratamento proposto, uma vez que aquele sintoma desaparece, sobra um vazio com o qual o paciente muitas vezes não sabe lidar. Em um misto de satisfação pelo fim daquele sintoma e estranheza por não se reconhecer sem ele, é comum que surjam novas queixas substitutas da anterior ou que o paciente simplesmente recaia, abandone ou resista ao tratamento, buscando o antigo lugar familiar – embora doloroso – em que sempre esteve.
O que parece lógico ao representar uma melhora da funcionalidade e da qualidade de vida daquela pessoa nem sempre é tão lógico assim. Daí, surge a necessidade de entrar em ação um artifício muito importante para o psiquiatra e que não está propriamente descrito nos livros e compêndios psicopatológicos: o olhar humano. Sem sensibilidade, empatia e sobretudo compaixão não se faz um tratamento psiquiátrico. É preciso estar muito atento para saber até que ponto modificar aquele sintoma, como se estivéssemos a medir a quantidade exata de cartilagem a ser removida em uma cirurgia plástica de nariz: um passo em falso e o que te tornaria mais bonito transforma-se em mutilação.
O estado de desequilíbrio visto de fora pode ser a estrutura perfeita do constructo arrojado e exótico que compõe aquela pessoa.
Quando pensamos sobre isso mais profundamente, entendemos que nossos defeitos fazem parte de quem somos, compõem nossa personalidade e precisam sim ser atenuados na medida em que trazem sofrimento a nós e aos outros. Entretanto, eles não nos tornam seres completamente disfuncionais. São apenas… defeitos. E sem reflexão prévia e posterior, uma vez que desaparecem, o que sobrará em seu lugar será apenas angústia e inquietação.
Os equilíbrios na condição humana são dinâmicos e há que se ter cuidado com as aparências em perfeita harmonia – na acepção mais grega da palavra. Às vezes é justamente aquela parte torta ou esquisita que nos faz únicos, estruturados e, porque não dizer, belos.
Foto: O castelo animado, estúdios Ghibli. 2004.