Nana

Mário Sérgio

Os enfretamentos de cada um, às vezes desconhecidos do público, quase sempre nos parecerão mais doídos do que o das outras pessoas. E isso é natural, pois é o nosso sofrimento.

A premiada pesquisadora, escritora e palestrante americana Brené Brown, em seu livro “A Coragem de ser Imperfeito” apresenta o entendimento que se aplica a diversas pessoas nossas contemporâneas: “Sentir-se isolado é normal na vida e nos relacionamentos, mas quando somados à vergonha de acreditar que estamos isolados porque não somos dignos de contato, o isolamento causa uma dor tão grande que a necessidade de a anestesiar se torna incontrolável”.

Despois de quase cinquenta anos de luta pela causa PcD, não há como se esquivar de que essa verdade permeia a vida de um enorme contingente de pessoas desse recorte social: as PcD. O empenho que fazemos, muitos de nós, na tentativa de obter reconhecimento, respeito e dignidade, nem sempre logra sucesso, vez que o preconceito e a falta de empatia nos relegam a um plano quase invisível, ou pior, indesejado, como se portássemos algum mal contagioso.

E essa dor, que conhecemos bem, é também vilã na vida de pessoas de sucesso, de renome que ultrapassa fronteiras. E é, quase sempre, também propiciada por relacionamentos a quem confiamos nossa alma, nossos sentimentos mais profundos e nossas verdades. Por isso a grande perda para a cultura que representou, nesse dia primeiro de maio, a despedida da fabulosa cantora e intérprete Nana Caymmi, obriga as pessoas de bem a reavaliar tantas posturas em relação ao outro.

Nana, cuja voz embalou inúmeros corações em canções de amor e de paixão, em cantos de saudade ou de solidão, apesar de estar entre as melhores cantoras brasileiras de todos os tempos, foi maltratada ou, nos brutais termos atuais “cancelada”, até por quem ajudou, por pensar diferente da massa irada incapaz de diálogo franco. A pressão foi gigantesca, a ponto de somatizar, machucando-a como se fora inimiga.

A princípio foi resistente, chegando mesmo a expressar-se como forte numa entrevista ao jornal O Globo:
“Achei até engraçado, uns iam jogar meus discos fora, outros me quiseram morta. No Brasil, você não pode ter opinião, você é malhado feito Judas. Infelizmente, aqui é gado, tem que ir um cheirando o rabo do outro. A internet deu vazão à frustração, a pessoas sem o menor gabarito que condenam outras à morte.”

Em mais um de inúmeros episódios tristes, como correu com o também gigante Wilson Simonal, cantor negro mais bem pago do Brasil em seu auge, que foi praticamente “eliminado” por pessoas que o admiravam, porém com muito rancor, também o invejavam. Artistas menores que, conscientes da grandeza de seu brilho, do alcance de sua luz, se empenharam em arrastá-lo para a mediocridade na tentativa de alinhar por baixo sua grandeza.

Antonio Salieri, protagonizou, em relação ao grande compositor vienense Wolfgang Amadeus Mozart, a mesma paixão e loucura; a enorme inveja; a doentia busca por minorar sua jovial genialidade.
Vá em paz, rumo ao infinito, maravilhosa Nana Caymmi.

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