O canto da alma

Mário Sérgio

Há uma estória muito interessante acerca do surgimento da belíssima canção “O Silêncio”, ou “Taps”´(1862), no idioma original. Não há registros históricos confiáveis que corroborem a informação, mas provavelmente foi composta pelo Brigadeiro General Daniel Butterfield. No entanto, essa música, executada em solo de corneta ou trompete, inspira profundos sentimentos ao ouvinte. Ou, também emocionante, com acompanhamento orquestral, como na esplêndida versão italiana (1965) de Nini Rosso em que há uma parte declamada (não cantada). E há também a ótima versão brasileira de Jorge Luiz & Fernando, na interpretação de Cláudia Barroso, que fez muita gente chorar de emoção. 

O curioso é que, mesmo com o título de “O Silêncio”, a música é uma chamada veemente, um grito, à consciência do ouvinte, especialmente para aqueles que conhecem a lenda do soldado americano na Guerra Civil, batalha do Potomac.

Outra dessas obras magníficas, capazes de instigar a mente e os sentimentos, surgiu em 1964, escrita por Paul Simon, pouco depois do assassinato do presidente americano John Fitzgerald Kennedy. Foi regravada com algumas alterações na letra, em 1965, agora menos aguerrida, em dupla com Arthur Garfunkel. E a eternizaram como Simon & Garfunkel.

A referência a estas canções se apoia na sensação de que, atualmente, há barulhos demais. Distúrbios demais. Talvez o suficiente para que nem se possa ouvir o clamor daqueles a quem a vida mais tirou do que entregou. E a antítese do silêncio, cujo som se mostra ensurdecedor, encerra em seu bojo a enorme gama de sonhos que teimam em não despertar ante a insensata realidade que os nega. Estas esperanças demandam espaços de existência que a própria vida já não tem para compartilhar. Inseguras, elas buscam abraços que raramente se aproximam e olhares que frequentemente miram em direção oposta. Resta, então, continuar sonhando e viver na ilusão de que tudo é passageiro, que os amores nunca se vão, que os amigos são eternos e que a aurora trará novas oportunidades para ser feliz.

Nesses tempos caducos em que direitos são subtraídos aos menos assistidos, em que a sanha por um poder que se sustenta na angústia de outrem, embotando as virtudes, exige a necessária calma. Os silêncios não representam a ausência de vontades ou acomodação da coragem. A vida requer estratégias para definir objetivos em horizontes mais amplos. E táticas que incluam a prudência, o aprendizado e o foco naquilo que afinal represente a realização dos sonhos. 

O toque do Silêncio, que teve o condão de substituir as três batidas secas em um tambor, em homenagem aos soldados caídos, fez das perdas um momento ainda mais sentido, mais sublime. E é exatamente em sua vibração que os corações se agitam. 

Já aqui pelas terras tupiniquins, o “Canto das Três Raças” (1976) de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, magistralmente interpretada pela saudosa mineira guerreira, Clara Nunes, exalta também aqueles que lutaram por um Brasil melhor.

Para não deixar morrer a esperança, no canto da alma, importa sempre resgatar: “Ninguém ouviu um soluçar de dor…”

 

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