Daniela Piroli Cabral
danielapirolicabral@gmail.com
O primeiro dia do ano é um pequeno milagre que acontece quando o calendário vira para o ano seguinte. Naquele instante, os corações se enchem de energia e esperança frente a possibilidade de novas realizações e mudanças.
Um ritual para concretizar o momento também cai bem. Um espumante, um brinde, um beijo, uma calcinha colorida, uma vela, um trago e, quem sabe, uns pulos de ondinhas.
Sempre me animo com a data, não pela possibilidade de mudanças radicais, falsas promessas ou metas exigentes. Mas, por me lembrar que, apesar de todo cansaço, toda tristeza, toda injustiça, sempre há possibilidades de recomeços.
Lógico, a vida não muda instantaneamente com a data, a vida acontece sempre fora do tempo e do lugar. Ou precipita ou atrasa. É ali ou lá, não aqui.
Recentemente assisti ao filme Close, que mostra a relação de amizade entre dois garotos e todo enredo dramático que se desenrola a partir dela. Em um determinado momento, um dos garotos quebra o braço e a cena construída em primeiro plano é o rosto dele chorando, um choro sentido, profundo, enquanto o médico engessa o seu braço. Nas entrelinhas, subentende-se que o choro era por outro motivo.
Fiquei pensando nisso: a vida é mesmo um choro pelo outro. Eu mesmo uso a desculpa de filmes tristes e a TPM para chorar o acumulado, o represado.
A vida é uma risada pela outra: quantas vezes não rimos fora de contexto, simplesmente porque a memória fora de hora nos lembra de coisas inusitadas?
A vida são os encontros que acontecem fora do tempo, quando a gente menos espera e deseja.
A vida são passos que a gente dá e nos levam a lugares inimagináveis.
A vida são possibilidades de atualizar pessoas e olhares, de reaprender com o passado vivido (e também com o que foi renunciado), dando-lhe novas dimensões e significados.
O ano novo me traz reflexões sobre as minhas pequenas mortes cotidianas, fragmentos de mim que vão ficando pelo caminho.
O ano novo traz novos encontros, de vulnerabilidades e de solidões, relacionamentos para serem partilhados apesar (e por causa) das diferenças.
O ano novo fornece aprendizado: não faça esforço para parecer normal para os outros. Recuse conselhos de quem não valoriza as mesmas coisas que você, e que tolera coisas que para você são inegociáveis.
O ano novo permite as potências do luto e as delicadezas das construções de sentido.
O ano novo mostra a inutilidade do calendário: todo dia é dia de ano novo.