A casa

Peter Rossi

Num novo momento da vida, me deparei a pensar que precisava ter uma casa diferente, certamente aquela que nunca tive.

Queria quintal! Na minha infância sempre corri pelos quintais, atrás dos sonhos, dos cachorros, dos grilos, dos pingos de chuva, da minha meninice, minhas pernas finas e desconexas. Corri atrás de mim!

Acho que a casa deveria ter varanda ou, no mínimo, um alpendre. As varandas e os alpendres são a gravata borboleta do smoking, elas chegam antes. São também lentes, lunetas, nos permitem ver o antes, o adiante. Da varanda a gente vê a vida sem sair de nosso aconchego.

Queria, na casa, uma imensa biblioteca. Num canto, uma cadeira muito confortável, com uma mesinha do lado para suportar a taça de vinho. Teria, também, uma lente de aumento, daquelas de pé, iluminadas, como se fosse um abajur. Na poltrona, uma almofada a alcançar o descanso da minha consciência.

Seria indispensável a presença da vitrola. Meu sonho é uma daquelas com pés, abrigadas em móveis antigos. Sei que é quase impossível. Me contentaria com uma vintage, hoje tão difundidas. Ah, e as bolachas, aquelas rodelas pretas a sussurrar no arranhão lido pela agulha infinitas mensagens de amor.

Pensei, ainda, em uma mesa meio inclinada, como aquelas que usam os desenhistas e arquitetos. Ali, mergulharia na minha coleção de selos, espiando, cheirando, catalogando e arquivando cada um deles.

Tudo isso na biblioteca, me fiz entender?

Nas paredes, fotografias dos lugares aonde estive. Das viagens, dos cliques momentâneos, eternizados. Paredes inteiras de fotos e momentos. Na janela, uma namoradeira. Aquelas moças de cerâmica com a mão no queixo. Acho lindo! Queria também um estandarte de Santo Antônio. O das quermesses e jubileus, parecendo uma pipa, todo cercado de borlas e bordados.

Num canto da sala, um cavalete para pintura. Do lado, uma caixa de bisnagas de tinta e pincéis. Queria, ainda, uma cesta com novelos e agulhas de tricô e crochê. Não sei fazer, mas morro de vontade de aprender.

A cozinha, ah ela poderia ficar do lado de fora, junto a um gramado nos fundos da casa, abrigada sob uma meia-água. Um fogão e muitas panelas presas na parede. Ao lado, uma mesa enorme de madeira, com bancos também enormes em extremidade.

Acho que é isso! O resto vem a reboque: quartos e banheiros são meras consequências, sejam como forem! No quarto, roupas de cama daquelas que abraçam, com fios infinitos. No banheiro, toalhas apaixonadas. Nada mais.

Sei que é até pretencioso, mas queria um ofurô. Jamais uma piscina. Gosto de intimidade, do calor do corpo. Em volta, velas e mais velas. A música tocando, pop rock anos 80 e 90. Sensacional! Se conseguir uma cervejeira, seria o créme de la créme.

Você estaria lá, com certeza. Deitados na grama, sobre as toalhas surrupiadas do banheiro, estaríamos nós a prosear com o brilho da lua a iluminar nossos corpos molhados de desejo.

Me pergunto, à essa altura, onde seria a casa. Sabe que sobre isso eu nunca pensei? O lugar é importante, mas não é o mais importante. A casa é o que importa. A casa? A música e os livros importam, a poltrona, a mesa inclinada e os selos. Será? Os lençóis de fio egípcio? Talvez. Afinal, desejo tanto, mas não consigo fazer aportar o sentimento no cais da objetividade. Continuo pensando, imaginando, desenhando no ar tudo isso. Sei que gostaria da casa, dos quadros, dos pincéis, das fotos, dos vinis, dos desenhos, do frio lá fora. Ah, me lembrei que se tivesse lareira, seria ótimo. Adoraria o ofurô, aquela água quentinha a nos molhar até a altura do coração e nos permitir abraços indescritíveis. 

Mas, afinal, o que tudo isso tem de excepcional? Não sinto a completude. Não me preencho. Talvez alguns gatos, um cachorro, uma calopsita. Adoro animais, teria todos que pudesse ter, desde que dormissem abraçados comigo, na minha cama, em qual quarto fosse.

Ainda divago a esperar de mim o que não consigo me dar. A casa está completa. Se conseguisse uma impressora 3D ela estaria pronta, em seus mínimos detalhes. Mas algo ainda mingua, falta, se faz ausente.

Pego a folha de papel e reduzo em retas e curvas tudo que disse. Ficou lindo, só que não! Mas aquele esboço me deu uma visão de drone. O que falta? O que esqueci? É exatamente isso o que quero, mas o vácuo me preenche, não consigo entender.

Revejo todos os sonhos e critérios, todos os mistérios do querer. E não é que atrás da porta que não descrevi, a porta que da sala abre a varanda, eu enfim consigo a resposta?

Na casa, nessa casa, só falta você!

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