Tatuagem

Peter Rossi

É incrível como as pessoas hoje em dia se rendem às tatuagens. A juventude então! Percebo diversos meninos e meninas completamente rabiscados, às vezes braços inteiros, para não imaginar todos os corpos.

E as mensagens são as mais diversas, algumas surreais, outras de paz. As pessoas se vestem de tatuagens. Fazem da pele tela e com o auxílio dos tatuadores de plantão, desenham suas próprias padronagens.

Particularmente, sempre adorei tatuagens. Não sei porque não as fiz antes. Talvez tenha me rendido aos insólitos argumentos de que o mundo comercial não transita bem naquele universo. Nada mais equivocado. As pessoas são mais, muito mais, que suas próprias vestimentas. São o que são. E o mundo corporativo hoje resume as relações a contatos virtuais. Estar perto não é uma escolha, tampouco uma opção. O mundo hoje prefere as ideias e posturas aos estereótipos.

Estar elegante não é se empoleirar no cabide. É muito mais uma questão de posicionamento, de envolvimento, de conduta. O resto são as pérolas aos porcos.

Penso que é bom que seja assim, dessa forma os olhares se fixam no que realmente interessa. E, no particular, tatuagens são verdadeiramente interessantes.

Disse antes que queria ter feito tatuagens quando mais jovem. Passei ileso, ao largo, e me arrependo. Queria ter convivido com isso, a mostrar para o mundo que sou jovem e tenho coisas novas para dizer, como certa vez cantou um cearense arretado.

Pois é, hoje quase um sexagenário, tenho quatro delas. Cada uma mais linda que a outra. Muito orgulho de ter rendido à minha própria vontade, sem medo de ser feliz, sem me preocupar com o que as pessoas iriam pensar ou dizer. Quis fosse assim, e assim aconteceu.

Sei que muitos me rotulam como um velho desconexo ao seu tempo. Não penso que deva ser assim. O corpo se desgasta mesmo, é natural, mas a mente não. Acho até que deveríamos todos morrer jovens, embora velhos.

A carcaça enjambrada é apenas um freio natural para que nos arrisquemos menos. O medo da queda freia a velocidade, é natural. Mas nossas ideias e pensamentos devem voar na velocidade do som. E, para isso, o corpo pode andar mais moroso, isso não é paradoxal.

Acho mais, que as ideias aguerridas e incansáveis, preenchem de energia a carne, postergando seu perdimento. Para isso, as luzes se adequam ao cansaço das pupilas, os sons respeitam e se adequam aos aparelhos de surdez. A dança também, ela é sublime, agitada ou vestida de valsa. Há espaço para todos.

E assim sigo minha vida, trabalhando muito, mas me dou o direito de me achar ainda jovem, um menino até. Me dou o direito de emocionar com a lua mais fulgurante, com a música que sempre amei e que ainda hoje toca em mim e na minha vitrola de vinil. E os livros? Ah os meus amados livros, as palavras que me intoxicam de tantas que são, para em seguida se acalmarem em meu coração, repousando a formar o tapete da minha felicidade.

Não falei ainda, nessa ode à juventude eterna, do amor e das mulheres. Essa dupla emoção se funde numa só. Mais velho, meu olhar acompanha o que vê e a mim se adequa, por puro conforto e expectativa. As mulheres da minha idade, ou perto dela, são verdadeiramente as mais lindas. As acompanhei desde então, mas meu olhar se apurou, o que é natural, diante do exercício diário. A tendência é que nosso olhar seja bem melhor no dia seguinte, ainda que com anteparos de vidro, aliás acessórios bem legais. 

Para minha velhice, reservo o tempo para os netos que ainda não tenho, e para as minhas coleções, que são muitas. Meus filhos, parceiros meus são. Motivo de orgulho e sensação de dever cumprido, ainda que a fala soe meio clichê, mas, me perdoem, não me ocorreu nenhuma frase melhor.

Fato é que sempre somos jovens, sempre. Fomos e seremos assim. Somos lindos, e cada dia melhores, isso é inequívoco. Quem não pensa assim, deveria pensar em pensar, sem nenhuma imposição.

Hoje, me orgulho de ser o que sou, muito mais do que antes. Minha auto estima não está mais em questão. Sou o melhor que pude ser, e ainda serei. Evoluindo até o fim.

E, para comemorar, vou fazendo minhas tatuagens, um tributo à minha eterna juventude. É uma forma de mostrar ao mundo e a mim mesmo que o resto não importa tanto assim. A vida, ela sim, é a plena realização. Mergulhei na fonte de Ponce de León, preciso confessar. 

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