A inquietude da infância

Silvia Ribeiro

Não tenho a inquietude da infância, e há tempos se foi a pressa da mocidade, como uma gangorra que se curva diante do futuro.

Sou fruta doce colhida no tempo certo, que deixa gosto na boca sem antecipar as flores, e a musa dos pomares onde pode se sentir o meu perfume, e prever a imortalidade dos meus amores. Sou a casca que não se cospe, e o suco que se sorve até a última gota.

Tenho cada vez mais o tamanho dos meus monólogos, e as loucuras que eu guardo só pra mim. As virtudes que eu inventei, o olhar mais vidente, e uma fartura de sonhos que me visitam na calada da noite.

Por vontade própria alguns barulhos já não buscam o meu coração, e a eternidade é apenas um tapete onde descansa a minha saudade. Na minha alma um pequeno vilarejo de coisas antigas guardam histórias contadas, e é por lá que moram as minhas pegadas.

As horas tingem os meus cabelos com uma poção de recordações que me fazem morrer de rir. Relatos das viagens que eu fiz em terra firme, com a simplicidade de quem só precisa de algumas letras pra alimentar a sua poesia.

Me gabo das autorias que os desejos desenharam na minha face, e do que eu guardei pra sentir depois de algumas alegrias.

Trago no corpo as cobiças que me levaram à lugares que eu sempre me lembro, incluindo aqueles infindáveis “eu te amo” que não conseguiam viver sozinhos.

Neles estão as delícias que vão pelas tardes de verão, e o coração que verbaliza as palavras entre as palmas abertas das mãos.

Dizem que nesse lugar o amor acontece pedindo só mais um dia.

*
Curta: Facebook / Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *