Sentimento

Peter Rossi

No arroubo de tentar ser o melhor que a gente verdadeiramente não é, chutamos o balde! A gente tenta um prognóstico, um estereótipo e nos esquecemos do melhor de nós mesmos. E, invariavelmente, perdemos.

Isso aconteceu comigo, há poucos dias atrás. No afã do querer coloquei tudo a perder. As máscaras caem, não se sustentam. Os elásticos ficam soltos de tanta ginástica que fazemos nos músculos faciais.

E a dor, essa tremenda dor, é diretamente proporcional à nossa idade, que nos permite compreender o quanto erramos. E os erros são assim mesmo. Jovens, são apenas pequenos equívocos. Quando envelhecemos se tornam catastróficos, mormente porque percebemos o quão pequenos eles são. E, por não conseguirmos evitar, eles tomam proporções assombrosas.

Quando menos esperamos e mais confiamos no nosso taco, se agigantam os erros. E o que é pior, são sempre os mesmos! A diferença é que temos lentes de aumento com a idade e conseguimos perceber a inconsequência absoluta da nossa regressão momentânea. E velhos, colhemos a empáfia de acreditar que tudo podemos. Esse é um equívoco fatal. Nada disso! Não podemos! Não temos mais nem tempo, nem direito de errar!

Dizia que esse mal me acometeu. E como! Quando menino ainda imaginei um contexto que minha pequenez nunca me permitiu ousar. A vida, entretanto, me piscou o olho e quarenta anos depois me surpreendi com o inimaginável possível. Mas como assim? Será que esse presente tardio ainda me alcança?

Foi assim. Surpreso, incontido, de repente me vi capaz. Mais que isso, me vi merecedor e beijei as bochechas da vida. Três beijos, como sempre fazemos. E mergulhei. Quis viver a vida de frente. Não poupei esforços. Adornei o contorno com as metáforas e sorri com a boca escancarada!

Mas essa tal vida é cruel. Ela mantém olhos acesos aos pequenos deslizes. Ela não dá trégua. Fosse o contrário, ninguém se preocuparia tanto em desvendar, em traduzir suas falas.

E, de tanto correr, eu não cuidei dos limites da pista. Dos contornos do outro, das expectativas, das esperanças, dos desejos. Quis tanto chegar em primeiro que tropecei em mim mesmo e, com isso, alcancei o guard-rail. Me vi fora da corrida. E esse é um fracasso indesculpável, perdemos para nós mesmos. Jogamos fora, como um pedaço de papel de seda, o nosso sonho. Não temos asas à alcança-lo. Ele simplesmente … voa. A nós, sem a linha presa na pipa, resta apenas lamentar e, na pior das hipóteses se contentar com suas cores sobre o pano de fundo azul do céu.

Não queria, embora soubesse que fatalmente iria acontecer. Sei que não tinha no cantil água suficiente para caminhada tão exigente. Mas acreditei, eu quis demais, quis a ponto de imaginar que nada mais importaria.

Tão poucos dias, é verdade. Mas esse desejo estava submerso na minha alma. E talvez, pelo excesso, eu pequei pela falta. No afã de buscar o oxigênio eu ultrapassei a superfície. 

É assim que acontece, sempre! Como diz o ditado, quem nunca comeu mel, quando come se lambuza. Felicidade muita nos faz perder o controle remoto. Logo eu que sempre pensei ter os canais à minha mão.

Pena!

Sei que não acontecerá de novo, nunca mais. Essas dores apressam os ponteiros dos segundos. A gente perde o fôlego e com ele as melhores oportunidades.

Esse não é um lamento, embora seja. Apenas falo comigo mesmo e divido com quem lê. Pode ser que alguém lerá e saberá de tudo que falo. Agora, não posso deixar de estender na varanda do meu peito essa dor imensa que a quarar numa chuva tem poucas chances de secar.

Fica a névoa daqueles momentos poucos. As risadas, as brincadeiras, a vontade de ficar perto. Fica uma sensação de que poderia ter acontecido. Ela envolve nossa dor com papel crepom e nos dá uma sensação de que valeu a pena.

Valeu a pena…. que pena!

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