O futuro

Reprodução/Pixabay
 

Imagine você enxergar o mundo através de um retrovisor. Essa era a vida de Otávio, um rapaz preso aos traumas do passado e que não conseguia olhar para frente, somente para trás.

Foi quando, imerso em mais uma memória triste, ele deu com o nariz no poste da rua, que decidiu buscar ajuda. Dr. Depoentes, o médico oftalmologista que prometia corrigir as lentes do futuro, era quem podia lhe ajudar.

Otávio saiu do consultório e não olhou para trás sequer para agradecer ao Dr. Depoentes pelo milagre que operara. A partir de agora, os olhos de Otávio não o trairiam mais, jamais se desviando do horizonte — e de tudo aquilo que vinha com ele.

Olhando para frente, Otávio passou a enxergar o futuro.

Aos seus olhos, um dia ensolarado poderia, subitamente, se transformar em chuva, antes mesmo que a primeira gota fosse derramada. O gato de rua se desfazia em uma massa repugnante de pelos e vísceras, antes que o motorista desatento ligasse o carro que o atropelaria.

Ao caminhar pela cidade com a cabeça erguida e com o olhar altivo, Otávio se desviou com antecipação de todos os postes de rua.

No seu caminho, ele não pôde deixar de perceber uma garota que vestia uma camiseta estampada “no vaccine”. Ela tinha a metade do rosto carcomida por vermes roliços, e uma procissão de jovens com roupas pretas a seguiam, no ritmo da marcha fúnebre.

Mas foi o que viu no reflexo de uma vitrine de loja que lhe causou espanto. Na imagem, Otávio estava praticamente irreconhecível em uma roupa de astronauta. Ele tentou se aproximar, mas, no instante seguinte, o seu reflexo já havia desaparecido.

Tudo o que restou no reflexo da vitrine foi a imagem de um deserto de gelo habitado por mamutes gigantes e dentes-de-sabre.

O futuro.

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