Encontro com um amigo

Peter Rossi
O velho amigo dirigia um carrinho de supermercado. Desviei de algumas bancadas e busquei a via paralela. Daí era uma virada para a direita e um encontro casual aconteceria. Longo abraço, afinal fomos amigos de infância. Vivemos brincadeiras juntos. Jogávamos tênis, futebol. Ele sempre melhor que eu, mais forte, ainda assim um bom amigo. De origem italiana. Percebo que seu rosto continua vermelho, como se tivesse recém-saído de uma sessão de sauna a vapor. Emendamos uma conversa, falando sobre filhos, projetos, descansos. Relembramos momentos de uma cidade do interior. Comentamos sobre os que ainda estão lá e surpreso fiquei ao saber que muitos já se foram. Tão jovens, imaginei. Cada um, por sua vez, contava vantagens sobre o sucesso alheio e sonhado, mas nada que ultrapassasse o tom de uma boa conversa. De fato, ambos estão bem e não precisavam forçar a barra, desenhar histórias, fantasiar verdades não alcançadas. Foi inevitável: a conversa acabou chegando ao ponto das relações pessoais. Não tive tempo de contar nada sobre mim, pois o amigo iniciou dizendo que tinha passado tempos difíceis. Depois de tantos anos, tinha encontrado o amor de sua vida, mas com ele conviveu pouquíssimo tempo. Disse que ao lado daquela mulher o mundo era mais colorido, mais feliz. A motivação por estar vivo era apenas aguardar uma mensagem no celular, um emoji, um beijo de batom. Reforçava isso ao se lembrar que ela lhe dizia que beijo de batom não se manda pra qualquer um. Percebi seus olhos marejados, mas a expressão era feliz. Ele me contava tudo verdadeiramente empolgado, não se esquecendo de nenhum detalhe. Me contou de um beijo roubado e mãos entrelaçadas por trás da Praça da Estação. Naquela noite, disse ele, o céu da cidade nunca esteve tão lindo.  Confesso que, como ouvinte atento, senti uma ponta de curiosidade de estar naquela situação. Deve ter sido bom demais. Me contou sobre os textos, sobre os beijos, sobre os abraços. Como estava feliz aquele amigo. Que amor aquele! Soube das músicas enviadas, das cartinhas, das carinhas. O telefone a todo tempo ao seu lado, o coração à espreita de uma mensagem. Parecia um menino. Ele apertou os olhos e apertando o meu braço me disse que ela atendia sempre dizendo “hei”. Falou do sorriso em seus olhos, dos seus cabelos, da sobrancelha. Meu Deus, perguntei, como conseguiu amar tanto? Nessa idade, como teve tanta energia acumulada pra se entregar dessa maneira? A resposta foi simples: eu me apaixonei, talvez pela primeira vez na vida! Acho que a gente vai amando aqui e acolá, vai conhecendo pessoas, sabendo de uma e de outra, mas o verdadeiro amor nunca sabemos quando chegará. Quando a gente pensa que amou de verdade, conhece pessoas que nunca imaginou que conheceria e, como uma tromba d’água o amor invade nosso coração, numa enchente de felicidade. Perguntei se moravam juntos, se estavam juntos. Foram segundos de silêncio, até que ele, levantando a cabeça disse: não! Não estamos mais juntos. Durou pouco, mas foi demais. Confesso que não sabia o que dizer. Perguntar se sofria seria faze-lo sofrer. Enfim, me deixei levar pelo óbvio e soltei um idiota “mas, você está bem, não está?” Sim, ele estava. Percebi que toda a conversa tinha um veio de felicidade. Nenhum arrependimento, só alegria e saudade. Ele me confessou que ainda a amava. Não precisava dizer, isso era claríssimo, evidente. Fiquei intrigado. Porque então não estarem juntos? Não dá pra ser, ele me respondeu. O amor, às vezes se realiza em si, não é necessário ser dividido. Amar é o bastante. Viver o amor é outra coisa. Mas ela sabe que eu a amo, me disse. E tem por mim um grande carinho. Isso também não é uma forma de amor? Eu fiquei sem resposta. Não tinha o que dizer. Na verdade, não tinha fita métrica em minha vida para medir aquilo. Era tão diferente. Vi meu amigo tranquilo naquela história. Era, para mim, uma confusão. No fundo, no fundo, eu entendia aquilo com ressalvas. Uma história completamente diferente das que eu conhecia. Uma pergunta era inevitável e não me escapou de faze-la: e, você, meu amigo, como consegue lidar com o dia a dia, como leva essa situação?  A resposta foi simplesmente sensacional: Quando me lembro dela demais, coloco uma música daquelas de levar a gente para um mundo diferente e simplesmente finjo que não a amo.  Sobrou uma piscada amiga, e num instante, só vi meu amigo de costas, dirigindo o carrinho de supermercado e me acenando com uma das mãos. Talvez não quisesse me deixar ver um sorriso no canto da boca. Sei lá…
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