Pixabay

Quero Falar de Fernando

 
Rosangela Maluf

Olho para o teto branco e imagino palavras rodando em círculos. Não digo nada. Permaneço em silêncio. Silêncio absoluto. Não me deixo levar pelas ondas de letrinhas que insistem em me incomodar. Estou só nesse imenso quarto branco. Não sei o que pensar. Só sei que penso muito, mas nada falo. Nem uma palavra. Quero chamar Fernando, mas ele não está. Quero gritar seu nome, mas ele não me ouvirá, certamente não. 

Estou mal. Em alguns dias amanheço bem, no outro dia, nem tanto! Ouço fados o dia inteiro. Quanto mais tristes, mais choro e mais chamo por ele! Fernando. Foi em Lisboa que tudo começou. Um caso de nada, para passar o tempo. Um português, residente no Brasil, matando saudades de sua terra e uma brasileira, de origem portuguesa, visitando pela primeira vez, o país de seus avós. Fernando, onde está você?

O certo é que ele se foi. E desde então, não tem dado mais notícias. Apenas disse-me que não podia mais viver longe do seu país. Tudo lhe fazia falta: em Lisboa viviam a mãe já idosa, a única irmã, o cunhado, dois sobrinhos que lhe eram muito queridos e uma madrinha, que vivia em Ponte de Lima. Quanto ao trabalho, não foi difícil conseguir uma transferência pelo Banco Milennium BCP, o maior banco privado português, onde ele trabalhava já por alguns anos, não muito longe daqui, no Itaim Bibi. 

Enquanto ouço mais uma vez, um dos meus fados preferidos, sinto raiva por ter esperado dele o que, em momento algum, parecia que me seria dado. De nada adiantou ter passado mais de uma semana inteira, na mesma cidade, saindo todos os dias juntos – passeios, confeitarias, centros de compra, jantares à luz de vela & fados – e  o que foi que restou? Nada.

Você sabe por que os doces portugueses são feitos à base de gema “d’ovos” – , ele pergunta rindo.

Claro que sei, – respondo com sotaque português. – Os padres e freiras precisavam usar roupas bem passadas e então, usavam as claras “d’ovos” para engomá-las. Ah, e os nobres também, imagine todas aquelas golas plissadas, os punhos rendados. Usavam as claras e as gemas sobravam. Alguém teve então, a genial ideia de aproveitá-las nos doces. Não é que deu certo, ó pá? 

Ele me apertou num abraço gostoso e rimos, os dois! Riso bobo, de casal enamorado. Ele me olhando bem de pertinho, beijou meus olhos.

Adoro teus olhos de ameixa em calda – diz.  

Não era a primeira vez que ele falava assim. Contou-me que sua mãe assim dizia ao tentar explicar “os olhos de uma rapariga que não se decidiam entre o castanho e o verde”. 

Continuamos na “cola” para fazermos nossos pedidos. A confeitaria estava cheia. Muitos japoneses tirando fotos, dos azulejos, do mobiliário, dos lustres – tudo muito lindo e muito rico. Turistas africanos com roupas típicas, coloridas, muito barulho de vozes e um fado, ao fundo, tentando, desesperadamente, se fazer ouvir. Escutamos brasileiros falando muito alto e logo quisemos distância daquele grupo. Outros turistas muito louros, muito brancos, falando uma língua estranha. Escandinavos?

A Confeitaria Nacional, a mais antiga de Lisboa, fundada em 1829 é muito conhecida no mundo todo. Ponto obrigatório para quem visita a capital portuguesa e deseja deliciar-se com as maravilhas da confeitaria lusitana: os pastéis de Belém/pastéis de nata, as queijadinhas, lencinhos, bolos e toda a infinidade de delícias, maravilhosamente expostas nas vitrines bem iluminadas e convidativas.

Cada um escolheu seu pequeno almoço ( assim os portugueses chamam “o café da manhã”): uma fatia do famoso Bolo Rei, uma xícara de café com leite bem grande e subimos ao piso superior, no Salão de chá. Ali, com menos vozes e menos ruído pudemos ouvir Ana Moura, cantando “Ninharia”, uma música que eu adorava e que, quando ouvia, virava “chiclete” – eu cantarolava sem parar.

Foi nessa noite maldita/ Que abri a porta à desdita/ De que só eu sou culpada/ Precipitada, incontida/ Expulsei-te da minha vida/ Por uma coisa de nada.

Depois do Bolo, inúmeros beijos doces para finalizar o café da manhã. 

A nossa programação era intensa. Como aproveitar o máximo do Centro Histórico? A Baixa, o Chiado, Alfama, Castelo, Mouraria e o Alto. Esperávamos que houvesse tempo para tudo o que fora por nós programado.  Da Praça da Figueira, onde estávamos fomos a Restauradores e pegamos o funicular da Glória até o Miradouro São Pedro de Alcântara. Uma vista linda da cidade, construções belíssima, arquitetura bem típica e o encanto dos telhados vermelhos. De lá víamos o Castelo de São Jorge, outro ponto do nosso roteiro. Muitas, muitas fotos: nos olhando, nos abraçando, nos beijando, apenas rindo; muitas risadas.

– E esses olhos?

– Já sei, – respondi de ameixa em calda. – Mais abraços e mais risos.

Andar pelo Centro de Lisboa é sempre uma experiência única. Descemos então até a Praça Luis de Camões e bem pertinho dali tiramos fotos com Fernando Pessoa, estátua conhecidíssima e famosíssima do maior poeta português. Eu já sabia que todo brasileiro, em Lisboa, precisa tirar uma foto junto à estátua de Pessoa e comigo não seria diferente! Lá fomos nós para mais uma sessão de beijos, risos e fotos. 

Cansados e com fome, olhamos o relógio: três horas da tarde. O dia estava claro, céu muito azul, temperatura agradável e um ventinho fresco e constante. Fernando escolheu um restaurante bem antigo, conhecido por seu bacalhau maravilhoso (como o são quase todos, em Portugal) e pensando no almoço que esperava por nós, fomos ao João do Grão.

*
Continua
*

Curta: Facebook / Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *