Science, sim, senhor

O músico e compositor pernambucano Chico Science (Divulgação)
Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com

Ariano Suassuna não gostava de rock n’ roll. Aliás, não gostava de nada que não brotasse do chão batido do sertão — e o som que Elvis tirava do violão, definitivamente, não viera dali.

Inclusive, o escritor paraibano, sendo um cabra da peste nacionalista até o osso, não gostaria nadica de nada de saber que eu jamais li o seu romance “A Pedra do Reino”. Logo eu, fascinado por literatura fantástica, tendo devorado tudo — vá lá, quase tudo — o que foi publicado por J. R. R. Tolkien, Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft e George R. R. Martin — todos eles estrangeiros.

Para se ter uma ideia de como Suassuna era reacionário à influência da cultura estrangeira, ele não via com bons olhos — tampouco ouvia com bons ouvidos — outro ícone da cultura nordestina: Chico Science. Aliás, Science, não. Chico Ciência, pois Suassuna não admitia estrangeirismos.

Com a devida vênia ao acadêmico da Academia Brasileira de Letras, mas, calma lá: o que seria da cuba-libre se não fosse a Coca-Cola? Ora, que misturemos as diferenças, para que desorganizando possamos organizar.

Science, sim, senhor!

Pois foi a feijoada rítmica de maracatu da zona rural, com o hip hop das periferias e o rock da cidade grande, cozida a fogo alto por Chico Science e a sua Nação Zumbi e outros artistas recifenses, que deu roupagem de movimento político à cena cultural de Pernambuco, nos anos 1990. Eis que nasceu o Manguebeat, cujo mote era a defesa dos manguezais. Suas armas? Alfaias, guitarras elétricas e cérebros cheios de ômega três.

Chico, enquanto testemunhava a verticalização desenfreada de Recife, cantava “a cidade não para, a cidade só cresce / o de cima sobe e o de baixo desce”. E agora ele próprio sobe e desce e remexe num frevo inconformado na outrora paz de seu túmulo.

Morto em 1997, o músico viu lá de cima o ministro-destruidor do Meio Ambiente, Ricardo Salles, revogar as regras de proteção aos manguezais, em favor da especulação imobiliária. Com isso, as grandes construtoras ficaram autorizadas a subir prédios e condomínios de luxo nas áreas próximas aos manguezais, onde concentram milhares de espécies de animais e plantas essenciais ao equilíbrio do ecossistema marinho.

Diante da política de retrocessos na área ambiental perpetrada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo seu ministro Ricardo Salles, a música de Chico Science precisa tocar em volume alto. Afinal de contas, enclausurados na selva de pedras, é um alívio lembrar-se de que “atrás do arranha-céu, tem o céu, tem o céu”.

Ameaçados por Ricardo Salles, os manguezais concentram milhares de espécies de animais e vegetais (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *