Daniela Piroli Cabral
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Amanhã, 10 de Setembro, é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Volto a falar da morte voluntária, tema sempre tão necessário e urgente por todo estigma, tabu e preconceito que ainda envolvem o assunto. Quem já perdeu alguém para o suicídio sabe da importância do que digo.
Existe um silenciamento em torno da morte no mundo ocidental. Mesmo sendo a única certeza da vida, evitamos o assunto por medo, superstição ou desconhecimento mesmo. Afinal, nossa experiência de morte se dá sempre através da experiência alheia. Talvez esse “alheamento” seja saudável e nos previna de enlouquecer.
Se pesquisarmos bem, veremos que as vivências de luto foram historicamente banidas do contexto público, social e compartilhado, e passaram a se restringir aos contextos privados, do indivíduo, dos consultórios. Há uma certa negação do direito ao luto.
Quando falamos do luto por suicídio, falamos de uma dupla ou múltipla negação a esse direito. Isso porque o suicídio é um tipo de morte que vem sendo punida, julgada, negada e silenciada. Há subnotificação dos registros e das tentativas de suicídio. As pessoas enlutadas por suicídio, as chamadas “sobreviventes”, recebem menos suporte social, sentem-se mais julgadas e menos à vontade para falar desta perda.
Em meio a pandemia, sem rituais dignos de despedidas, os velórios “express”, os caixões fechados, a falta de documentos, de informações e de versões precisas sobre a morte, o direito ao luto também agoniza.
Alguns estudos orientais já apontam para o aumento da taxa de suicídio em função da pandemia. Os efeitos o isolamento social sobre a saúde mental, o aumento do consumo de bebidas alcoólicas, o medo de se contaminar, de morrer, de contaminar e de perder alguém querido, a perda de emprego e de renda, a falta de suporte social, e a perda da rotina usual são alguns dos fatores que podem justificar esse aumento.
A pandemia nos colocou frente a uma aguda crise de sentido sem precedentes, na qual, confesso, é difícil não nos questionarmos sobre o propósito e o absurdo da nossa existência neste mundo. Éramos pequenos grãos de areia, somos agora nanopartículas pairando à beira da galáxia. Pulsão de vida e pulsão de morte se debatem cotidianamente em torno de um equilíbrio fino.
Nossos recursos anteriores de enfrentamento de crise, individuais ou coletivos, se mostraram precários e inócuos. Mas, para mim, profissional da palavra, não há outro meio senão o de colocar em palavras tudo o que estamos vivendo. Palavra falada, palavra escrita, palavra cantada. Palavras que seguem a lógica discursiva, palavras que seguem a lógica artística, da criação. É preciso promover cenários de abertura e de suporte para que as palavras saiam e possam ser acolhidas, respeitadas, simbolizadas.
Referência:
- FIOCRUZ. Suicídio na pandemia da Covid-19. Brasília, 2020.
Muito bom o texto. Dá vontade de ler mais. Quando terminou eu pensei poderia se estender mais. Não se encontra o assunto do suicídio facilmente para ler. Não imaginava que ainda agora, ,na atualidade, o luto, nesse caso, é duplamente negado . Acho importante ter essas informações para saber como agir e para refletir sobre como me coloco frente a algum conhecido /conhecida que venha a sofrer esse dissabor. E acontece, acontece. Com pessoas próximas. E como lidamos com isso ?
Oi, Lourdinha,
A proposta do texto é ser curta mesmo, mas às vezes falta espaço para abordar temas tão complexos.
Interessante esse seu comentário porque foi a “dúvida” de outros leitores, em como abordar o tema no cotidiano. Difícil falar por aqui com o risco de ser reducionista ou prescritiva demais.
Mas gosto da ideia de escuta e acolhimento do sofrimento alheio, sem julgamentos, sem a necessidade de oferecer respostas. Postura de empatia, de se fazer presente no cotidiano daquele que sofre e, se necessário, buscar a vinculação da pessoa com um serviço de saúde.
Podemos marcar um café para conversarmos mais a respeito.