Deus ex machina

Victória Farias


Em casa

Fly me to the Moon/ Let me play among the stars/ Let me see what spring is like/ On Jupiter and Mars/ In other words, hold my hand/ In other words, darling, kiss me.

– Alexia, desliga o despertador.

– Claro, Roland. Bom dia.

– Bom dia. Eu pedi para você tocar a versão da Julie London.

– Desculpe, Roland. Essa versão não está mais disponível nos meus registros.

– Tudo bem. Como está o dia lá fora?

– Faz 45 graus nesta terça-feira. A terra recebeu uma descarga de ondas solares mais forte que o normal, então sugiro que use protetor.

– Obrigado. Quais as manchetes do dia?

– A Organização Das Nações Unidas ainda estuda a possibilidade da criação de uma moeda universal. Os países asiáticos se opõem, temendo a dominação do ocidente. Os representantes da União dos Países das Américas se reunirão mais vez na semana que vem para discutir a criação de uma constituição única para todos os envolvidos. A Organização Mundial da Saúde soltou uma nota dizendo que o ovo pode estar relacionado a uma série de doenças que afetam o coração.

– Nenhuma novidade, então.

– Correto, Roland.

– Você pode me ligar com a empresa de táxi? Não quero ir para o trabalho de carro hoje.

– Claro, Roland.

– Bom dia, gostaria de um táxi na rua 29 de dezembro esquina com 31 de agosto, bairro dos Afastados.

– Alexia, talvez eu não durma em casa esta noite.

– Ok, Roland, tenha um bom dia!


No táxi

 Bom dia, senhor.

 Bom dia. Sede do Governo, por favor.

 Claro. Quente hoje, não é mesmo?

 E dizem que vai piorar.

“Compre agora um aparelho de barbear, seduza todas e todos a sua volta!”

– Quanto custa para desligar esses anúncios automáticos?

– 20 dólares, senhor.

– 20 dólares? Que absurdo.

– É isso, ou vão te oferecer aparelho de barbear daqui até o seu destino.

– Colocar na conta da corrida.

– Claro, senhor.

– Que música é essa que está tocando?

– Heaven Is a Place On Earth, senhor.

– Ha! Parece que os antigos não sabiam nada mesmo sobre o futuro, em. 

– Eles não conseguiam se lembrar do próprio passado, senhor. Como saberiam do futuro?

Justo. 


Na Sede do Governo – Trabalho

Bom dia, Roland, tá atrasado.

O que é o tempo se não um aprisionamento do nosso instinto de viver?

Ok ok, chega das suas poesias, não estamos no século XIII e você não é Dente.

É Dante.

O quê?

Esquece, o que você quer?

Você viu a cotação do dólar hoje?

Não por quê? Esqueci.

Bom, meu amigo, o dólar está valendo singelos 68 reais. Precisamos de um plano de contingenciamento.

68 reais?! Acabei de pagar 20 dólares para evitar que um anúncio de aparelho de barbear me estrangulasse.

Ha! Mas você devia mesmo voltar a se barbear, amigo. Faz quanto tempo? Desde a última recessão? Deveria dar uma chance aos velhos hábitos. Sair, conhecer gente nova. Parar de correr atrás da Olívia. Ela claramente tá em outra.

Eu deveria era não dar ouvidos a você. Mas e aquela coisa da moeda única e tal? Não iríamos nos unir? Não usaremos todos o dólar como moeda?

Unir? O único motivo para eles se unirem será para apostar quem quebra primeiro! Vamos logo. A reunião já começou.

Boa noite, eu gostaria de um táxi na Sede do Governo.


No táxi

– Boa noite, senhor. Para onde?

– O Planado, por favor.

– Claro, ouvi dizer que é a melhor boate da cidade.

– Ouvi dizer que é uma baderna.


Na porta do Planalto

Oi! Boa noite. Estou procurando a Olívia.

Boa noite. Ela não está.

Olha cara, eu tenho hora marcada. Pode chamar ela para mim, por favor?

 Você é surdo ou o quê? Não viu as propagandas de implantes auditivos? Deveria arranjar alguns.

– Olívia, estou aqui na porta do Planalto, onde você está?

– Oi, Roland, não pude ir hoje. Deixei o seu pacote com a Carla. Pode pegar e pagar para ela.


Em casa 

Roland, você disse que não voltaria para casa hoje.

Eu sei, mudança de planos.

Você tem uma mensagem no correio de voz.

Pode colocar, por favor.

Roland, é a Olívia! Esqueci de te dizer, o produto está mais concentrado nessa remessa. Não vai abusar, em. Toma cuidado!

Obrigado, Alexia. Vou para o meu quarto. Me acorde amanhã com Dream a Little Dreams of me, versão de 1931.

 Claro, Roland.


No quarto

 Não abusarei. Só um pouco em cada olho e estou pronto para ir. Um, dois, três.


Rio de Janeiro, ano de 1931

Mamãe, o papai chegou!

Roland, meu amor, onde você estava!?

Desculpe, Alice, viagem de negócios, você sabe como é!

Tudo bem. Você viu as notícias? Parece que essa gente tá sempre falando em guerra! Não vamos nos unir nunca, pelo amor de Deus? Estão falando em atacar a Alemanha de novo! Parece que alguém está com umas ideias estranhas por lá. Já não basta a primeira vez, que coisa horrível que foi.

Não se preocupe, querida. Vai ficar tudo bem.

Nós não vamos entrar nessa, vamos? Não podemos, temos tantas coisas para resolver aqui, você não sabe o caos que está lá fora e…

Calma, querida. Não vamos entrar nessa, e sim, eu posso imaginar o caos que está lá fora.

Tudo bem. Mas, tenho uma novidade! Aquele cantor que a gente ama, Ozzie Nelson, vai lançar uma música nova direto no rádio, daqui a pouco. Na verdade, acho que já até começou… Aí está!

Sendo assim, minha honrada dama, que nesse sorriso me enlaço e esse doce olhar me encanta. Dança comigo?

 Ah, Dante. Quer dizer, Roland. Eu não poderia ser fraca o suficiente para dizer que não. Estamos prontos para ir. Um, dois, três.

“Stars shining bright above you/ Night breezes seem to whisper I love you/ Birds singing in the sycamore tree/ Dream a little dream… 


Cidade Alta, ano de 2192

…of me/ Say nighty night and kiss me/ Just hold me tight and tell me you miss me/ While I’m alone and blue as can be/ Dream a little dream of me.”

Bom dia, Roland.

 Bom dia, Alexia.

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