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Sobre medo de morrer

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Eduardo de Ávila

Antes de entrar no tema proposto, uma consideração pessoal, já que pretendia discorrer hoje acerca de outro assunto.

Mas as postagens das companheiras Rosângela Maluf e Victória Farias, domingo e segunda-feira, me fizeram refletir sobre o quanto tinha medo de morte e – especialmente – me convencer que esse dia fatalmente chegaria para aquela criança feliz e solta nas ruas de Araxá.

Achava inadmissível essa única certeza que temos na vida. Tudo é carregado de dúvidas, mas o dia do julgamento final é inevitável.

Naqueles já distantes anos 60, quando a Jovem Guarda e a Tropicália embalavam sonhos e anunciavam a proximidade da puberdade e a sonhada adolescência, falar de morte era assunto que incomodava. Tinha dificuldade em aceitar essa realidade.

Some-se a isso, o medo de mortos que cultivei durante anos, até na fase adulta. Sério, fui perder medo daqueles que convivi e mudaram de plano, já depois dos meus vinte anos de idade.

Nem conto o momento preciso dessa superação. A causa desse pavor teve origem lá na infância, não conseguia, nos velórios, chegar perto da urna, onde passaram avós, tios e até um amigo que perdi precocemente. Talvez esse, Augusto Frederico Mesquita, tenha sido o maior golpe sofrido na minha infância.

Fred, como era chamado, foi amigo desde os primeiros passos – éramos vizinhos – embora fosse um ano mais novo. Jogar bola no jardim da estação, bola de gude, pic esconde, entre outras brincadeiras marcaram a nossa infância.

Num final de tarde, atropelado por um caminhão em sua inseparável bicicleta, antecipou sua volta para o mundo espiritual. Foi um choque para toda a meninada.

Mas o trauma desse medo de quem deixava a terra teve origem na morte de um tio. Era um irmão do meu pai. Devia ser por volta de nove da noite, quando a campainha lá de casa tocou – não tínhamos telefone isso era artigo de luxo – era alguém dando a informação e pedindo para avisar ao papai que ficava na fazenda de segunda a sexta, semanalmente.

Assustado com aquilo, não queria deitar, até que me disseram (minhas irmãs e mamãe, culpa delas) que fosse para a cama e dormisse logo, senão o tio Adolfo ia puxar o meu pé.

Nem dormi, sentia as mãos dele a todo momento pegando no meu pé que estava colado no bum-bum, por ter recolhido a perna para dificultar essa ameaça.

Era um tio muito especial, que adorava aprontar comigo (ensinando a marchar para que me tornasse guarda mirim, meu sonho) só para provocar meu pai que ficava P da vida com aquela molecagem.

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Daí pra frente, a cada novo anúncio de morte, a rotina dos dias seguintes era a mesma. Perna recolhida e o sentimento das “mãos geladas” puxando meu pé. Depois de um tempo, relaxei, mas ao entrar em casa meu roteiro foi durante mais de dez anos diferente dos tempos atuais.

Entrava e acendia a luz da sala, depois ia até a sala de jantar e voltava para apagar a da sala, assim sucessivamente até passar pela cozinha, banheiro e chegar no meu quarto. Via de regra deixava a cortina (na infância eram aquelas janelonas antigas com uma portinha que vedava o vidro) aberta para entrar um foco de luz externa.

Pelo menos a perna estava mais livre e ficava atento à eventuais sombras que pudessem me assustar. Algumas, eu juro, chegaram a ameaçar. Culpa das árvores que balançavam na casa da vizinha.

Bem antes dos tempos atuais, libertado desse pavor, os tempos foram me mostrando melhores caminhos. Passei a andar no escuro, sem receio de ser impedido no meio do trajeto para o banheiro durante a noite. Entrar em casa sem acender a luz, para não incomodar o sono daqueles que dormiam. Hoje, morando sozinho, mantenho essa rotina.

Aliado a isso, aquele medo e a dificuldade em saber que a hora de todos nós vai chegar, convivo sem receio do meu julgamento final. Algumas experiências me confortam, mesmo reiterando a Deus em nossas duas conversas diárias, que não tenho nenhuma pressa em reencontrar amigos e parentes que anteciparam a minha viagem final.

Basicamente duas condições entre outras se destacam. A primeira é a tranquilidade em avaliar que em minha passagem pela vida, sempre tive respeito ao próximo. Divergir sem enfrentar, seja nas questões mais delicadas como religião, pensamento político, time do coração e até mesmo normas de conduta.

Estou seguro que não causei prejuízo – de qualquer ordem – a quem quer que seja. Tem que goste da minha pessoa e a recíproca neste caso se aplica, seja aos mencionados como também a eventuais desafetos. De minha parte não somam os dedos de uma das mãos.

Paralelo a isso, posso assegurar que já vivi o suficiente para desfrutar e presenciar muitas situações nessa vida. Estou pronto, mas sem nenhuma pressa, reafirmo.

A outra, mais recente e diria que a base desse estado de resignação eu encontrei na casa de oração que frequento tem décadas. Hoje tenho convicção que estamos de passagem pela terra em busca da nossa evolução espiritual, que a morte não pode ser considerado um momento negativo e sim a passagem para o plano espiritual e – sem querer alongar – que vou voltar reencarnado noutro corpo material.

Se pudesse fazer um pedido antecipado, mesmo sabendo que não é possível, gostaria de nascer em Araxá, ser jornalista (se o Bozo não acabar com a profissão), morar em Belo Horizonte e ser Atleticano. O resto deixo ao livre arbítrio do espírito mais evoluído que passou entre nós: Jesus Cristo!

5 comentários sobre “Sobre medo de morrer

  1. “Não é que eu tenha medo de morrer. É que eu não quero estar lá na hora que isso acontecer.”
    Esta é do Woody Allen! Sigo o relator sem me opor a uma vírgula que seja.

  2. Muito bom, Eduardo.
    Com medo ou sem medo iremos todos.
    E um dos meus poemas começo assim:
    Sou eu que passo
    O tempo permanece
    E enquanto a vida tece

  3. Oi Eduardo. Adorei o texto! Parabéns. O tema é curioso! Lembrei que havia ( ou há) um site de perguntas e respostas ; tinha uma pessoa, um rapaz que só fazia perguntas sobre enterros! Imagina isso. As pessoas perguntavam e respondiam sobre tudo, futebol, novela, regime, carros etc etc mas esse nick ( lembra do nickname? ) ele só perguntava sobre morte, mais especificamente, sobre o velório. Como estava vestido o falecido? Usava sapato ou estava descalço? Meia? Terno? Baton? Vestido, de que cor? Penteado? Tinha música? Teve padre? Flor tinha muita? Qual ? E por aí vai. Detalhes…detalhes que eu nunca tinha notado nem pensado nessas ocasiões tristes… ó vida engraçada essa! Lourdinha

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