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Cirurgia no tempo

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Arquivo Pessoal – cirurgia no tempo
Tais Civitarese

Um dia, minha mãe precisou fazer uma ablação cardíaca. Ela vinha tendo umas arritmias estranhas. Às vezes, paradinha, sua frequência chegava a duzentos batimentos por minuto. Ficava trêmula e perdia a fala. Lá foi ela para o hospital.

O procedimento correu bem. Cauterizaram os ramos nervosos que insistiam em disparar toda hora. O coração dela se acalmou. A medicina é maravilhosa!

Saída da sala de observação, mamãe foi levada para o quarto. Sem saber onde estava, pediu frango assado e champagne, ainda grogue da anestesia.

Eu já estava à sua espera, acompanhada do meu pai. Dali a pouco, chegou minha irmã. Chegaram também os anos 90. 

Meus pais, eu e minha irmã em um pequeno quarto de hospital. Não havia maridos ou filhos, nenhum sinal de nossas novas famílias. Apenas nós 4, como antigamente.

Papai tinha trazido pão (de queijo), como ele sempre fazia. Minha irmã tentava fazer graça para descontrair o ambiente. Eu observava minha mãe e me preocupava com ela. 

Naquela cena, não tínhamos profissões. Éramos apenas pais e filhas. Tive a impressão de que esquecemos algo no passado e que ali fomos buscar de volta.

Será que cheguei tarde para um café em 94 que não me lembro? Ou que minha irmã faltou a algum almoço muito importante no final de 97?

Não sabemos…

Recriamos 25 anos das nossas vidas naquele quarto. Os cabelos brancos de papai ficaram negros, como desde quando me lembro. Minha irmã espalhou sua bolsa e tirou os sapatos, recordando-me as bagunças que tanto me deixavam brava.

Dessa vez, ao invés de brigar, agradeci em silêncio. Tanto tempo depois, mamãe estava viva. Estávamos todos juntos. 

Partilhamos ali o amor sem nenhum espaço para nada que fosse diferente. Faz exatamente um ano. Foi o aniversário da minha família. Mamãe renasceu e com ela, todos nós. 

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