As redes sociais e “a obrigação de ser feliz”

Foto: Internet
Daniela Piroli Cabral
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Por que só eu não estou viajando nas férias? Minha vida é só trabalhar e pagar conta? Minha vida é tão medíocre assim?”. Esses são questionamentos comuns na clínica contemporânea, que evidenciam como a presença massiva da internet e a exposição constante às redes sociais tendem a nos fazer questionar sobre a “vida real”, reduzindo no nosso limiar de frustração e deixando em evidência o nosso próprio “vazio”.

Na verdade, o vazio sempre esteve ali,  mas a sedução exercida pelas imagens reforçam em nós a ideia de que “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Na verdade, por mais dinheiro, “amigos” e seguidores que alguém tenha, ninguém pode tudo. Todos temos limites. Todos somos seres de desejo e, portanto, somos estruturalmente incompletos.

As telas do computador e do smartphone se tornaram vitrines modernas, onde estão expostos corpos, sorrisos, paisagens, refeições, relacionamentos, viagens, academias, roupas e mais uma infinidade de artigos prontos para serem “consumidos”. Neste contexto, são comuns os sentimentos de tristeza, raiva, inveja, paranoia, ansiedade e solidão. Já existem pesquisas sobre isso.

Pessoas que se expõem mais tempo às redes sociais tendem a relatar mais sentimentos de tristeza e menos satisfação com a própria vida. As redes sociais reforçam uma certa visão hedonista e desumanizante que consideram que as dores, as tristezas e a própria rotina são necessariamente ruins e devem, portanto, serem banidas a qualquer preço, em prol de uma felicidade plena e perfeita. Taí o episódio com o “Dr Bumbum” pra nos mostrar como a busca incessante por perfeição pode ter resultados desastrosos para a vida real.

Resgato as palavras de Danièle Silvestre, “A obrigação de ser feliz”, para mostrar como  atualmente o direito à felicidade e à saúde transformou-se num imperioso dever ser feliz, de estar sempre “bem”.  Ora, mas num mundo onde não há tristeza, frustração e até mesmo um certo grau de angústia é um mundo “desumanizado”, esvaziado do que poderia lhe conferir sentido. E quanto mais conectados às telas, mais desconectados de nós mesmos e do nosso mundo medíocre, mas “real”.  

Finalizo o texto de hoje tentando esboçar uma resposta aos questionamentos iniciais problematizando: Qual é o problema de se viver uma vida “medíocre”? Por que trabalhar e pagar contas deve ser considerado algo “medíocre” e não algo de fato valoroso e importante? Quais serão as alegrias e prazeres encobertos pela mediocridade da rotina?

Sugestões de leitura:

– A parte que falta – Shel Silverstein

– A obrigação de ser feliz – Danièle Silvestre

4 comentários sobre “As redes sociais e “a obrigação de ser feliz”

  1. Concordo em número e grau com esta reportagem. As pessoas hj em dia tem a obrigação de viverem um mundo perfeito, uma vida perfeita, o problema já começa no próprio ser humano que é imperfeito, e com certeza não serão todos que poderão viver um vida de flashes e cenários paradisíacos. O que as pessoas não conseguem mais entender é que a vida sempre foi e sempre será imperfeita, o que podemos fazer é viver da melhor forma possível a nossa imperfeita vida e sermos felizes.

    1. Oi Libriano!
      Obrigada pelo seu comentário.
      Ele me fez lembrar de uma frase em que Freud diz algo parecido com: “nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos”. Tudo isso pra dizer que precisamos da chuva e das nuvens pra valorizar o dia de sol, que precisamos da dor e da falta para que a alegria e as conquistas tenham sentido e valor. E as redes sociais vão na contramão disso tudo.
      E acho que falta cada vez mais “crítica” no discerniment do que é do
      “mundo virtual” e o que é do mundo “real”.
      E acho que sim, estamos seguindo num caminho muito ruim ao sermos seduzidos e iludidos quanto à possibilidade de uma “vida completa e perfeita”.

  2. Olá!

    Este tema é bastante rico! É importantíssimo filtrar e termos o controle do que vemos e deixamos entrar, sim? O Brasil é um dos países que mais gasta tempo em redes sociais no mundo.

    Daniela, creio eu que todos passam por algo assim. Só utilizo o Instagram por ser fotógrafo e designer… Daí divulgar meu trabalho é fundamental e a rede social me ajuda nisto. Porém sei bem desta “sedução exercida pelas imagens”, como você diz. Eu zelo por uma vida saudável e, por trabalhar produzindo imagens, tenho um compromisso de zelar pelo outro… Pelo que vou provocar e posso provocar. Quem produz imagens profissionalmente possui muita responsabilidade!
    Pensando nisto, passei a compartilhar imagens que faço de rua e encontros com pessoas. Como minha formação é em Artes Visuais, pensei que introduzir imagens que possam fazer a pessoa refletir ou (re)ver detalhes e pessoas do cotidiano, é uma forma de quebrar e pensar que a vida é interessante pelas suas levezas e coisas prosaicas (e que o cotidiano comum é bom). Dê uma olhadinha depois, se puder: http://www.instagram.com/lucasbra.ga
    Gostei muito das palavras de Danièle Silvestre! Vou ler e usar nestas minhas pesquisas de fotografia de cotidiano.
    Conheci este blog hoje! Coisa boa! Vou acompanhar!

    1. Oi, Lucas!
      Obrigada pela sua contribuição, Visitei seu perfil, bacana demais as suas “imagens do cotidiano”, tudo a ver a proposta deste nosso blog. As imagens nos convidam a olhar e refletir sobre o cotidiano. E, de fato, temos que ter muita responsabilidade com o que produzimos sim, cuidar do impacto disso para o outro. Muito bom.
      Toda quarta tem um texto novo meu e todas segundas e sextas do Eduardo. Acompanhe e compartilhe. Será um prazer ter vc como leitor.
      Um abraço!

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