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O Galo de cuca começa a ter um padrão de jogo

Ricardo Galuppo

Aprendi desde os tempos em que Telê Santana se tornou ídolo da massa que o treinador, por mais fundamental que seja para o resultado de um campeonato, nunca pode fazer tudo o que a torcida espera dele. Aprendi a compreender, ainda nos tempos do mestre, que minha preferência não escalava o time e que o bom treinador conhece o elenco mais do que a torcida. Também percebi, prestando atenção às entrevistas que Telê dava naquela época, que muitas das decisões que ele tomava, e que todos nós tínhamos como uma prova de sua cabeça dura, eram na verdade uma demonstração de flexibilidade.

O bom treinador sabe que, em determinadas partidas, alguns jogadores que normalmente ficam na reserva podem ser mais úteis do que os considerados titulares. Nessa hora, ele precisa ter autoridade suficiente para contrariar a torcida e escalá-los. Na decisão do Brasileirão de 1971, só para mencionar um fato que já desperta tantas discussões quanto despertou na época, Telê fez mudanças que levaram boa parte da torcida à loucura. 

Na partida contra o São Paulo, no dia 12 de dezembro, Atlético entrou no campo do Mineirão com o ataque formado por Ronaldo, Dario, Beto (substituído no segundo tempo por Spencer) e Romeu. No jogo seguinte, contra o Botafogo, no Rio de Janeiro, Lola (que também daria lugar a Spencer na etapa final) entrou no lugar de Beto. E o ponta esquerda Tião, que em todo o campeonato só havia sido titular na partida de estreia, contra o América, começou jogando no lugar de Romeu.  

Antes do jogo, ninguém entendeu e os corneteiros da época (sim, eles sempre existiram, pode acreditar!) começaram a falar tanto que as orelhas do mestre devem ter ficado em brasa. Espalharam que a invenção de moda custaria caro ao Atlético. Telê estava certo e a prova disso pode ser vista em destaque na sala de troféus da sede de Lourdes.  

Se conto essa história aqui não é para reavivar as brasas que aquecem o coração de todo atleticano que teve a sorte de presenciar aquela conquista. É apenas para dizer que um treinador de futebol, para ser bom e, mais do que isso, se dar bem no Galo, precisa ter apego às próprias ideias, como Telê sempre demonstrou ter. Às vezes, precisa ser até cabeça dura e defender pensamentos que contrariam o senso comum. Mas também precisa ser flexível para mudar. Este é o segredo.

SEMELHANÇAS COM O CARECA

No futebol, teimosia não é necessariamente um defeito e a trajetória de Telê está aí para provar. Se isso é verdade, o Galo está bem: Cuca já demonstrou que, em alguns momentos, pode ser tão teimoso quanto seu antecessor, Jorge Sampaoli. Resta saber se Cuca será capaz de demonstrar, nessa sua nova passagem pelo Galo, a flexibilidade que o argentino, por mais genial que fosse, nunca teve. 

Ele sempre insistia junto à diretoria pela contratação de um jogador com quem ele já estivesse habituado a trabalhar e que contasse com sua confiança, embora não fosse necessariamente uma unanimidade junto à torcida. Seu sucessor age da mesma maneira. O volante Tchê Tchê, que chega para reforçar o meio campo, só vestirá a camisa do Galo porque Cuca conhece o rapaz, com quem trabalhou no Palmeiras e no São Paulo, e acha que seu futebol pode acrescentar força ao elenco. Ótimo. 

Sampaoli era dado a invenções de moda que pareciam não ter pé nem cabeça e deixavam a torcida sem entender o que havia por baixo da careca do treinador ao tomar a decisão. Cuca também faz isso. Na partida contra a Caldense, na quinta-feira da semana passada, para citar apenas um exemplo, Cuca pôs um zagueiro, Igor Rabello, para jogar na posição de centroavante. Não deu certo — mas isso não o torna um incompetente completo. Da mesma forma, não faria dele um gênio, caso tivesse funcionado. 

Sampaoli entendia que os goleiros do futebol contemporâneo devem ter função tática na construção das jogadas e que, para cumpri-la, além de serem bons com as mãos precisam saber jogar com os pés. Cuca, da mesma forma, valoriza essa característica e, desde que ele chegou, Everson, o preferido de Sampaoli, tem sido o titular no gol alvinegro. 

UM TRAÇO DE PADRÃO TÁTICO

São detalhes pontuais, porém suficientes para fazer a festa dos palpiteiros. A verdade é que há mais semelhanças entre Sampaoli e Cuca do que são capazes de perceber os corneteiros de plantão. Não é o caso, naturalmente, de sairmos correndo em busca de igualdades entre um e outro. Eles também têm suas diferenças.

Em matéria de temperamento e de corte de cabelos, os dois são mais diferentes do que uma tartaruga de um porco espinho. A verdade, no entanto, é que, para aquilo que realmente conta, as características e os estilos pessoais são irrelevantes. O fato de Sampaoli gritar nos primeiros dez minutos de jogo mais do que Cuca gritará durante a partida inteira não é suficiente para torná-lo mais eficiente. Mas também não é por isso que Cuca é melhor do que o argentino. 

Cuca só provará que é melhor se conseguir implantar um esquema de jogo tão vistoso quanto o do argentino deixando, porém, um espaço para a improvisação e a demonstração de talento pelos jogadores. A partida contra o América, no domingo passado, foi a primeira desde a chegada do novo treinador, em que o Galo apresentou em campo algo que pode vir a se transformar num esquema de jogo. 

Cuca é um treinador que, por mais conhecido que seja, é sempre capaz de provocar  surpresas — e só resta a nós, atleticanos, esperar que sejam positivas. Ninguém deve aguardar dele, agora, um time que jogue à imagem e semelhança daquele que ele comandou no Brasileirão de 2012 e na Libertadores de 2013. Mas ninguém deve esperar, também, um time parecido com o de Sampaoli, em que o esquema tático engessado às vezes parecia ser mais valorizado do que o talento dos jogadores. No esquema do argentino não havia lugar para improvisação. 

Foto: Pedro Souza / Atlético
RETRANCA FEROZ

Sampaoli tinha, pelo esquema que traçou, um apego que chegava à beira da obsessão. Podia até fazer as cinco substituições a que tinha direito durante a partida — mas os jogadores que entravam tinham que cumprir exatamente o mesmo papel dos que saíam. Uma situação parecida com que se viu no segundo tempo da partida de domingo passado seria completamente impensável sob o comando de Sampaoli. Só para lembrar: antes dos 20 minutos, Savarino, Zaracho e Sasha, de uma tacada só, saíram para dar lugar a Hulk, Nathan e Vargas. Mais do que uma troca de nomes foi uma variação de possibilidades — algo que faltou algumas vezes na temporada de 2020. 

Nem vou falar em Ignácio Martín Fernández. Assim como alguns craques do passado, Nacho sempre merece o respeito de ser mencionado pelo nome completo. A simples presença dele em campo jogando livre como tem jogado, já marca uma diferença fundamental com o esquema de Sampaoli. 

Não sabemos e nunca saberemos o que seria de Nacho jogando num time de Sampaoli. Às vezes imagino que talvez não rendesse tanto — pois teria que cumprir alguma função tática que não lhe daria a mesma liberdade que vem tendo em campo. Ao contrário do que parecia acontecer com o técnico anterior, Cuca acredita em craque e sabe que em determinados momentos, o esquema do time é que precisa se adaptar ao jogador mais talentoso. Não o contrário. 

No domingo que vem, o time de Cuca terá seu primeiro encontro com um tipo de adversário que, na temporada passada, foi a dor de cabeça do atleticano. Trata-se, claro, de uma equipe de nível técnico inferior, comparável ao do Goiás, do Vasco da Gama e do Botafogo em seus piores momentos. Os pontos que, no entanto, essas equipes de segunda divisão tiraram do Galo, acabaram nos custando o título brasileiro. 

Todos eles tiraram vantagem do fato de reconhecer sua inferioridade e se fechar numa retranca mais resistente do que parecia ser a cabeça do treinador atleticano diante das alternativas que as partidas ofereciam. Embora não admita, o adversário do próximo domingo, que tem jogado numa retranca feroz até contra as equipes mais modestas do interior, sabe de sua inferioridade técnica. Será a primeira retranca que o Galo de Cuca enfrentará. O time tem tudo para passar por ela. E passar bem. Isso é que importa! Eu acredito!

Blogueiro

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  • Com a contratação do Tche Tche fiquei muito preocupado com a situação financeira do Atlético no futuro, estamos no mesmo caminho do Cruzeiro (inchando a folha salarial). Estou vendo que tudo que o treinador pede a diretoria entrega, igual no ano passado com o Sampaoli. Preocupante pois o nosso meio de campo já está saturado com diversos jogadores com o mesmo estilo, com exceção do Nacho. Além do mais você bloqueia o ímpeto de jovens jogadores como o Neto, Zaracho, Calebe, etc.
    Onde estão as contratações pontuais prometidas? Cadê o matador, zagueiro e volante pit bull? Trouxe um meio de campo de mesmo nível o inferior aos que temos.

    • Meu caro Paulo Roberto,

      É o mesmo de comparar um apartamento em Copacabana de frente ao mar e um apartamento num bairro de médio (caiçara) porte em minas. Matemática pura, quantos querem morar em Copacabana ou no Bairro médio de BH.
      Faria Lima, o metro quadrado deve valer 10 vezes mais caro do que o metro quadrado em Lourdes.
      Só perde para o Itaím Bibí em SP. É difícil de comparar, gosto dos dois lugares, mas a valorização é outra. Fato.

  • GALLUPO TAMBÉM ESTÁ CORNETANDO.
    TIMAÇO ESSE DE 1971.
    O GALO HOJE É NACHO E MAIS DEZ.
    SOB O COMANDO DO CRAQUE , CERTAMENTE TEREMOS MUITAS ALEGRIAS ESSE ANO , COM VITÓRIAS E TÍTULOS.
    NA MINHA OPINIÃO SÓ ESTAMOS PRECISANDO DE UM GOLEIRO , NAS OUTRAS POSIÇÕES ESTAMOS BEM SERVIDOS.
    MAS , ACHO O GOLEIRO , UMA DAS PRINCIPAIS PEÇAS DE UM TIME , E TODO TIME CAMPEÃO OBRIGATORIAMENTE TEM UM GRANDE GOLEIRO .
    COM EVERSON NO GOL AS NOSSAS CHANCES DE SUCESSO E TÍTULOS SERÃO DIMINUÍDAS MUITO , POIS INVARIAVELMENTE BOLAS CHUTADAS DE LONGE ENTRAM , ALÉM DE NÃO MOSTRAR CONFIANÇA PARA ASSUMIR ESSA POSIÇÃO.
    PARA O ATAQUE TEMOS MUITOS NOMES DISPUTANDO POSIÇÕES E DEVE JOGAR QUEM ESTIVER CORRESPONDENDO DENTRO DE CAMPO .
    O JOGO DE DOMINGO DEVE SER ENCARADO COM MUITA RESPONSABILIDADE PARA NÃO HAVER SURPRESAS DESAGRADÁVEIS.
    SEGURO MORREU DE VELHO.

  • Salve, Massa, Galuppo e Guru!

    Permita-me discordar em parte de seu pensamento Galuppo, mas a grande virtude de um técnico está em saber ouvir a cornetagem da torcida da torcida e tirar aquilo que for de proveito! Como exemplo atual, Cuca vinha colocando Mariano de titular, apesar de seu péssimo futebol. A torcida em coro vinha pedindo Guga, e olha que Guga nunca foi unanimidade dela. O resultado foi visto no jogo de domingo passado.

    Mas já pensando no jogo de domingo, quero chamar a atenção para o excesso de confiança de alguns de nossos torcedores, prevendo até o troco daquele fatídico jogo de Sete Lagoas. Calma ai cambada “devagar com o andor que o santo é de barro” .Apesar da draga que está nosso ex-adversário, temos que entender que até um empate será comemorado por eles como um título e só por isto vão entrar com toda a vontade possível, já que estão mais sujos que pau de galinheiro, junto à torcida.
    Em outras situações inversas, já tivemos times medíocres e saímos com bons resultados ante as Marias e sua arrogância. Vamos deixar a soberba de lado, pois foi justamente esta soberba que levou este time de simpatizante pro buraco.

  • Boa tarde amigos do Galo. Sinceramente não vejo espaço no elenco do Galo para Alan e Yoran. Alan é muito Inseguro e destemperado, Yoran oscila muito e raramente faz uma partida em bom nível técnico. NOSSO GALO precisando de um bom zagueiro e deixa o Messias ir para o Ceará, porque?

  • WELLINGTON ,
    corre à miúda que o time azul não vai comparecer ao jogo alegando que o pneu do ônibus estourou e demoraram a achar um estepe .

    Eles preferem o W.O. do que arriscar a entrar em campo.

  • A contratação do Tchê Tchê é um a furada. Vai tirar a chance de jogadores novos com maior potencial. Vai desanimar quem poderia se destacar e, eventualmente, render um bom dinheiro para o clube.

    No meu entendimento (queira Deus que eu esteja errado) nem a contratação do Hulk me encantou. Tomou o lugar da meninada, além de ser muito caro para idade que tem.

    Agora corre a notícia que o Galo está atrás do William Bigode. Mais uma furada. O Galo não precisa de mais ninguém. Talvez 1 zagueiro. Mas tem que ser zagueiro mesmo, meia-boca não! Do meio pra frente, só se for um novo Ronaldinho.

  • Bom dia,

    Diferente do Sampaoli, o Cuca adequa o esquema tático ao atletas, esse talves seja o segredo do sucesso.
    Infelizmente como já foi relatado, ele previligiara as contratações em detrimento ao uso da base, e me pareceu incomodado quando da pergunta do Betinho do Fala Galo, mas, acredito que este tipo de manifestação tem que estar presente sempre em todas as coletivas, independentemente do resultado.
    É demonstrar a ele e diretoria que a torcida está atenta e insatisfeita com o tratamento dado a base.
    Pagar salários milionários a jogadores que não entrega nada, essa é nossa sina.
    Creio que a massa gostará muito do jogador Tchê Tchê, possui as mesmas qualidades do Jair e melhor conclusão a gol, só não pode é fazer cáca de ser expulso em jogos importantes. Dois Allan num mesmo time ninguém aguenta.
    O esquema tático do Sampaoli privilegiava ao adversário a retranca, mas hoje no esquema do Cuca o Galo obriga ao adversário jogar e equipes inferiores se perdem exatamente aí, não possuem nem time e muito menos capacitação para isto, daí se torna presa fácil, vocês poderão ver isto no domingo.
    Domingo será dia de aflição para as Marias, vão pedir o fim do jogo o tempo todo, ...." chega, eu já não aquento mais"... kkkk
    Boa terça-feira a todos!

    • Wellington,

      A torcida tem que exigir a utilização da base, temos que começar a nós posicionarmos em relação a isso, protestar em voz alta. Chega de contratações medíocres, salvo algumas raras exceções, chega de rasgar dinheiro (compra de jogadores, depois ações trabalhistas, comissões de empresários etc) chega. A base já mostrou que tem jogadores para entrarem e assumirem as posições.

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