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No futebol o pior cego é o que só vê a bola

Max Pereira
@pretono46871088
@MaxGuaramax2012

Era um jogo do Atlético como outro qualquer. De repente, se transformou em uma das mais fantásticas experiências da minha vida. A poucos metros de onde eu estava um cego se preparava para “ver” o jogo e torcer pelo time do seu coração. A velha e surrada camisa preta e branca denunciava a sua paixão. O radinho de pilha preso a um dos ouvidos parecia ser a única ligação entre ele e o que os seus olhos não podiam lhe mostrar.

O jogo começou e eu tive a certeza de que ele, de uma forma que eu ainda não conseguia compreender, via tudo o que acontecia no gramado do Gigante da Pampulha. Os sorrisos, ora escancarados, ora tensos, as mãos crispadas, a excitação, as mudanças de semblante e de humor a cada ataque do Galo e a cada contra-ataque do adversário e, pasmem, uma espécie de brilho impossível naqueles olhos mortos, deixavam claro que ele, de fato, estava vendo o jogo.

Fascinado, comecei a perceber que o radinho colado ao ouvido não era a sua única fonte de informação e, nem tampouco, era o único veículo a fornecer alimento para a sua imaginação. Dei um jeito de ficar ao lado dele e, de repente, já parecíamos amigos de longa data, assistindo juntos o time do coração, discutindo os lances, xingando o juiz e os jogadores que, por ventura, errassem um passe ou perdessem um gol na cara do goleiro adversário. E, quando ele me confessou o seu segredo, i.e., como conseguia “ver” o jogo, acabou mudando para sempre a minha forma de ver uma partida de futebol.

Ele via o jogo com a alma, com o espirito. Ele aprendeu a entrar em sintonia com a Massa e com o pulsar e a vibração da torcida ele conseguia criar imagens e cores para as jogadas que os narradores descreviam. Aquele cego via muito mais que a bola. Ele sentia o jogo e com ele pulsava. Isso era muito mais que simplesmente ver a gorduchinha rolar de um lado para ao outro do campo. Isso era sentir a essência do jogo.

A experiência que vivenciei com aquele cego me fez lembrar Nelson Rodrigues, um dos mais importantes escritores e dramaturgos brasileiros. O também cronista esportivo e apaixonado pelo esporte bretão, responsável por criar a expressão “pátria de chuteiras”, que deu o nome a um de seus mais populares e marcantes best-sellers, cunhava frases e, entre as mais célebres que produziu, nos ensinou que “em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”, uma crítica àqueles que só olham e falam do futebol presos apenas ao que ocorre entre as quatro linhas durante noventa minutos, sem se dar conta de que o futebol é um fenômeno sócio cultural importante nesse Brasil continental.

Muito à frente de seu tempo, Nelson Rodrigues, autor de livros, peças de teatro, contos, crônicas e outros tipos de obras que o imortalizaram, era cruel e profundo em sua escrita que chocava e estarrecia. E, como todo moralista, era um especialista da alma humana.

Foto: Reuters

Durante a campanha da Libertadores de 2013, jogo após jogo, lembrava-me do nosso herói. Eram 48 minutos do segundo tempo quando eu vi Riascos ir para a bola e Victor de bico isolar e garantir a classificação do Atlético para as semifinais da Libertadores. E como será ele “viu” a defesa antológica do Santo atleticano?

Enquanto o relógio girava vertiginosamente, o Atlético brigava contra o tempo e a tensão explodia no seio da massa, eu vi a luzes do Horto se apagarem, os celulares brilharem e o “eu acredito” ser gritado freneticamente por aquela gente que já havia derrotado o vento. De repente, eu vi a bola novamente rolar e Guilherme, amaldiçoado por muitos e querido por outros tantos, entrar em campo e desferir um chute insuspeito de fora da área e fazer o gol que recolocava o Glorioso na rota do título. E como será que ele “viu” tudo isso?

Eu vi Richarlyson e Jô desperdiçarem os seus pênaltis e, mesmo assim, não conseguia acreditar que era o fim do sonho. Eu vi também dois jogadores do News Old Boys chutarem por cima do gol as esperanças portenhas e, finalmente, Victor fazer nova e emblemática defesa, colocando o Galo na final. E como será que ele “viu” essa serie de pênaltis tão surreal?

Pela primeira vez eu vi um jogo do Atlético atrás do chamado gol da Cidade, onde normalmente se posta a torcida do rival. Eu vi Rosinei correr pela ponta direita e cruzar para a área, no gol do outro lado. Eu vi Jô pegar o rebote, chutar de pé direito e marcar o primeiro gol atleticano contra o Olímpia. Eu vi o tempo passar e a tensão aumentar. O Atlético tinha uma diferença a tirar.

De repente, eu vi um atacante paraguaio, atrevido e cheio de pernas, passar pelo Santo e ficar com o gol atleticano à sua mercê. Era o fim do sonho. E aí eu vi o inimigo tombar. Um escorregão improvável, uma queda inexplicável aos olhos normais. Lembrei-me daquele amigo de um único jogo e aí consegui ver e entender o que tinha acontecido. Ei vi que uma legião de atleticanos invisíveis, de outras dimensões e universos, tomados por uma paixão imortal, inexplicável para os pobres mortais que dela não comungam e para qual não existem fronteiras, entraram em campo carreando a energia de milhões de galistas que nunca deixaram de acreditar que o titulo era possível, e , sem dó e nem piedade, derrubaram o inimigo, evitando o desastre. Só a mística atleticana, tão familiar ao nosso personagem, consegue explicar o que aconteceu naquele momento.

Eu vi Bernard cair pela ponta direita e cruzar. Eu vi Leonardo Silva subir e cabecear. Eu vi a bola viajar e cair lentamente dentro do gol do bom Martin Silva, em um átimo de tempo que parecia uma eternidade. E eu vi, bem diante de meus olhos, a disputa final de pênaltis que começou com mais uma defesa de Victor e terminou com uma bola que explodiu no travessão tudo aquilo que estava represado na alma e no coração atleticanos. E aí eu o vi mais uma vez. Eu vi toda a magia que vive e sente aquele que consegue ver mais que a bola.

Nesse momento em que o Atlético mais uma vez termina a fase de grupos da Libertadores na liderança geral, enchendo todo atleticano de esperança e alegria, tenho a certeza de que, mais do que nunca, a mística atleticana entrará em campo, ainda que o regulamento tenha mudado, o fantasma dos potes esteja presente, a competição deste ano seja a mais equilibrada da história e talvez a mais brasileira de todas as edições realizadas até agora, a final seja em jogo único em estádio teoricamente neutro e o Atlético, como sempre, tenha que driblar as suas próprias idiossincrasias.

Blogueiro

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  • Boa tarde Max
    O sonho de cada um de nós que vivemos o Clube Atlético Mineiro, é novamente passar por estes momentos, não iguais que não e possível , mas por situações semelhantes, com emoções que qualquer um que ama nosso Galo sente ao lembrar dessa inesquecível parte da nossa história alvinegra!
    Um abraço muito forte !

  • Pela ordem seguem minhas preferências no sorteio da Libertadores: Cerro, Universidad Católica, Olimpia, Vélez, Defensa, São Paulo, River e Boca... mas como sou um pé-frio confesso e convicto, podem esperar o Boca!

  • Caros,

    TARDELI:

    Prá começo de conversa foi um EXCELENTE atacante, principalmente na 1ª passagem, onde demonstrou q era de fato um BOM jogador, num time VALENTE...e ali, marcando gol de tudo qnt é jeito, sucumbiu com todo aquele BOM time, AGUERRIDO, na reta final do Br09...O time de 2009 pode ser considerado o 1º grande ensaio, depois da RETOMADA, prá conquista do BRASILEIRO > O NOSSO GALO tem q voltar a VENCER o Brasileiro, o atleticano q ñ considerar isso ñ passa de um ATOA tanto fais, q pensa q é...FATO prá deixar no barato!

    Um dos mais belos GOLS do Nosso Matador: https://www.youtube.com/watch?v=s6pKgd2Mh68

    Tardelli ñ foi um craque completo (cabeceio, p.ex., ñ era seu forte..., precisava de espaços, de times rápidos...), e era tb o oposto do q certa FACÇÃO da Torcida acha q tem q ser um jogador vestindo o manto, ou seja, ñ era o melhor marketeiro do RAÇUDO, pelo contrário, no seu MARKETING pessoal se valia SÓ da técnica (tirava o pé das divididas q era uma brincadeira, sempre pensou na IF - Independência Financeira - no q ñ tava errado, deixava muito torcedor puto). Jogador chamado ÚTIL e, no seu auge, eficiente, veloz e capaz de decidir partidas...graças a DEUS q ñ era aquele RAÇUDO perna de pau (mas q DD sabia marquetar de beijador de camisa, sabia!) > características tão apreciadas qnt ineficientes. CRUZES!

    Na 2ª passagem, o Clube em grande fase devido ao GRANDE KALIL, aquele q MUDOU DE FATO O PATAMAR do Clube e q ñ pode ser citado no Cantinho Só Nosso (Pq será Belorizontinos e Mineiros? CRUZES!) Tardelli, então já famoso DOM DIEGO, deitou e rolou, as MARIOLAS de tusta perfumado sendo a vítima predileta > https://www.youtube.com/watch?v=LTbpAG_QTB4

    ...A atual, a 3ª passagem, foi um BRINDE ao Tardelli, devemos perdoar nele o FATO de o Nosso Galo ter sido quase sempre um trampolim para a IF, uma bela duma VITRINE...Tardelli tem muito MÉRITO, O ARTILHEIRO deve ser respeitado!

    Obrigado DOM DIEGO TARDELLI!!!

    RIP Ilton Chaves!!!

    Abs!!!

  • Essa história do torcedor cego foi eternizada
    pelo incomparável poeta Roberto Drumond .

    Ela é emocionante e Drumond revela ainda
    detalhes incríveis da sensação que o rapaz
    captava com a reação da torcida .

    Muito boa mesmo .

  • Salve Massa, Max e Guru!

    Caro Max, foi a partir destes acontecimentos de sua narrativa, aliados ao nosso comportamento naquele fatídico ano de 2005 quando caímos e cantamos o hino do clube é que o Brasil inteiro teve de dar a mão a palmatória e reconhecer o que já era notório: a força de nossa torcida.
    E as perspectivas para a reedição desta sinergia torcida x time são muito boas, por um simples motivo: desde aquele time de 2013 se estendendo para 2014 que ganhou a copa de Brasil, há tempos não víamos tantos jogadores comprometidos e com vontade de ganhar como os de hoje, capitaneados por Nacho Fernandez e Hulk.
    E o melhor exemplo deste momento, foi a vontade demonstrada por nosso ídolo Tardelli em querer permanecer no clube e neste ambiente. Ontem o sentimento do atleticano foi de quem estava se despedindo de algum parente muito próximo e amado, e esta melancolia foi potencializada pela demonstração de respeito e amor pela torcida externada pelo jogador.
    Enfim chegou a hora da despedida dos campos, mas a ligação Tardeli x Massa permanecerá.
    Obrigado ta ta ta ta ta, por fazer a alegria desta grande massa e por ser mais um personagem que passou pelo clube e escrever a sua história que nunca será esquecida.

    Nota: Parabéns á diretoria e comissão técnica que mesmo entendendo a passionalidade da torcida, priorizou não só a parte financeira, mas principalmente técnica ao tomar a decisão de não renovar com nosso ídolo. Isto demonstra que estamos caminhando a passos largos para uma nova era dentro do clube. A era da razão.

  • Bom dia a todos!
    Belíssimo texto Max. Arrepiei todo ao ler e lembrar dos lances mencionados na LA 2013. A sua menção ao seu amigo de um jogo, me fez lembrar de um momento eterno para mim.
    Ontem foi anunciada a não renovação de contrato do ÍDOLO TARDELLI, eternizado na memoria de todo Atleticano. Saiu dos pés dele o único gol do Galo na vitória sobre o Vitória no primeiro jogo que assisti presencialmente no Mineirão. Jogo no ano de 2009. Não sai da minha cabeça. Minha querida mãe me convidou para ir a BH assistir ao jogo do Galo. Saímos de Diamantina na sexta feira à tarde após minha aula no colégio, para um evento que marcou a minha vida e aumentou infinitamente a minha paixão pelo Clube Atlético Mineiro. Haviam 64 mil malucos naquele espaço, minha mãe e eu eramos mais um naquela multidão. Guardo até hoje como recordação o ingresso daquele jogo. Muitos Atleticanos tiveram como referência o pai, no meu caso, meu pai é cruzeirense e minha mãe é Atleticana, ela foi minha referência para me apaixonar pelo Galo. Graças a paixão dela que tornei Atleticano. Obrigado mãe por me fazer Galo!

  • Bom dia, Tardelli!!!

    Tardelli disputou 230 jogos e marcou 112 gols nas três passagens que teve no Atlético.

    No Galo, o cara ajudou demais o Clube abocanhar sete títulos: Copa Libertadores (2013), Copa do Brasil (2014), Recopa Sul-Americana (2014) e Campeonato Mineiro (2010, 2013, 2020 e 2021)

    Foi dele o gol do título da Copa do Brasil de 2014 na vitória por 1 a 0 sobre o Cruzeiro, no Mineirão.

    Inesquecível...

    Como o Atlético anunciou o fim da Era Tardelli no Clube, resta agradecer ao craque por tudo que ele fez pelo Galo…

    Muito obrigado, Diego Tardelli!!! Seja feliz na sua nova jornada!!!

    • Parabéns, uso suas palavras como se fossem minhas.
      Que Deus sempre esteja ao lado do nosso ídolo.
      Obrigalo por tudo!

  • Obrigado, Max Pereira pelo seu belo texto. Realmente, o futebol tem esses encantos. Essa capacidade de nos ofertar sensações incomuns. Também tive um amigo cego que não perdia um único jogo do Galo. Às vezes íamos juntos para o Mineirão. Eu ficava impressionado ao vê-lo descrever como fora uma partida e falar de detalhes que eu não conseguira ver. Agora você me explicou o motivo. Eu via a bola e ele via o jogo.

  • Bom dia, Eduardo, Max Pereira, atleticanas e atleticanos, satisfeitos com o crescimento do Galo. À medida que o time vai se organizando alguns jogadores começam a mostrar um futebol mais efetivo e interessante para o time. O Allan, por exemplo, muito criticado, vem melhorando a sua participação nos jogos, ganhando confiança e além de ter melhorado a sua atuação defensiva está, aos poucos arriscando uns chutes a gol. Tem uma finalização ruim demais e me lembra o pit-bull Pierre. Não acerta uma. Mas importa é que cresce junto com o time. De Igor Rabelo,Guga e Arana nem é necessário falar mais. Estão muito bem. Alonso está aos poucos voltando a ser um bom zagueiro, jogando com mais tranquilidade porque não precisa ficar monitorando os companheiros de zaga, faz só o seu jogo com segurança, sem tentar ser o xerife da zaga, coisa para a qual não é preparado. Tchê Tchê, cuja contratação eu elogiei, visto o que jogou no Palmeiras, está se tornando peça importante no desarme, saída de bola e embora com timidez arrisca umas finalizações. A ascensão desses jogadores explica a evolução do sistema defensivo do Galo.

    No meio e na frente, tudo bem. O fortalecimento da defesa deixa o Nacho ocupado só em armar o jogo, observem que ele não corre o campo todo, inclusive defendendo, como antes. Agora fica flutuando por todo o campo ofensivo desfilando a sua arte e servindo o ataque. Savarino cresceu junto com o Hulk que está se tornando o motor emocional do time, motivando e acelerando o jogo dos companheiros e Keno ou Marrony seguem o ritmo. Enfim, a organização do time e o embrião de um padrão de jogo começa a beneficiar a todos os jogadores em campo. O time está jogando junto, com vontade e satisfação. Há uma alegria em campo que já começa a despertar os reservas. Eu disse em comentário recente que o jogo organizado ou padronizado, ajuda os reservas que entram em campo apenas para ocupar o espaço do substituído, sem ficar procurando o que fazer em campo. Entram, ocupam o espaço e dão sequência natural ao jogo. O Galo do Cuca, ao contrário do que pensam e até dizem alguns, não é time em formação. É time bem formado em franco processo de evolução. O tempo aperfeiçoará tudo de bom que já estamos vendo.

    O GALO ESTÁ VIVO E ATIVO, SE ORGANIZANDO EM CAMPO E ALEGRANDO A MASSA COM BONS JOGOS.

  • Prezados Ávila atleticanas e atleticanos!
    Bela resenha caro amigalo Max!
    Recordar é reverenciar a nossa memória!
    Apesar da beleza que se foi, espero também a beleza do hoje e agora!
    Todos nós somos "cegos" quando se trata do atlético. Aí daquele que discordar desta premissa. Somos só uma voz e é a única torcida que ousa discordar do dramaturgo Nelson Rodrigues: " toda unanimidade é burra" desde que não seja a torcida do galo. Somos unissonos: hoje e Sempre, galo!!! Contra tudo e contra todos...

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Tags: Max Pereira

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