Devo, não nego e seremos campeões

Ricardo Galuppo

A temporada nem começou direito, o Galo ainda não estreou nos principais campeonatos e já tem gente descendo o malho na situação financeira do clube, dizendo que ela vai de mal a pior. Antes mesmo da publicação do balanço com os números de 2020, virou moda entre os rapazes e as moças que falam de futebol nas emissoras de TV por assinatura, dizer que a dívida do Atlético alcançou a marca de R$ 1 bilhão. E que esse número monstruoso, com nove zeros à direita da primeira casa, inviabilizará qualquer tentativa de ganhar títulos importantes nos próximos anos. 

O número é real e foi, inclusive, mencionado com preocupação pelo presidente Sérgio Coelho em entrevista à rádio Itatiaia no dia em que o Galo completou 113 anos. E bastou que Coelho admitisse a dívida para que os “especialistas” de plantão passassem a afirmar que a vaca atleticana segue para o mesmo brejo em que se atolou certo clube vaidoso de Belo Horizonte. Como se conhecessem a situação das finanças do Galo em seus mínimos detalhes, passaram a dizer que o clube não terá condições de manter o elenco superior que está montando… 

A questão é que eles tratam o Atlético como se fossem dois clubes distintos. De um lado, há o clube que, com a ajuda de um grupo de empresários endinheirados, está construindo um estádio moderno e incorporando ao elenco gente da envergadura de um Nacho Fernandez e de um Hulk, além dos que já estavam lá desde o ano passado. Do outro, está um clube quase falido, que deve a bagatela de R$ 1 bilhão e logo não terá dinheiro para pagar as contas. 

Não consigo entender o que essa turma ganha ao fechar os olhos para a realidade. Não quero atribuir má fé a essas pessoas que insinuam que jogadores como Hulk, Nacho, Zaracho, Arana, Júnior Alonso, Savarino, Keno e muitos outros aceitariam jogar num clube que não lhes oferecesse garantias sólidas para o cumprimento dos contratos que assinaram. Tenho, no entanto, o direito de achar que essa turma é incompetente ou, senão, preguiçosa. 

Se estivesse no lugar deles passaria a mão no telefone e ligaria para os dirigentes alvinegros para ouvir com atenção e sem preconceitos, para saber o que o clube tem a dizer sobre isso. (Eu disse “ouvir com atenção e sem preconceitos”, confere, produção?) Se a preguiça não permitir o telefonema, basta entrar na internet e digitar https://transparencia.atletico.com.br/ . Está tudo lá. É só olhar, não dói!

QUEDA DE RECEITAS

A rigor, Sérgio Coelho não disse qualquer novidade em sua entrevista à Itatiaia. O que ele fez foi chamar a atenção para uma realidade que os balanços dos anos anteriores já expunham: o Atlético tem uma dívida expressiva e precisa dedicar atenção a ela. Além disso, disse o que qualquer empresário brasileiro vem sentindo na pele desde que essa pandemia disgramada começou a fazer o estrago que está fazendo na economia. 

Para os clubes de futebol, e não só para o Galo, a situação é tenebrosa. Com as receitas deprimidas pela proibição (justa e necessária) de público nos jogos e com a retração dos negócios de transferência de atletas, tornou-se ainda mais desafiador administrar um clube como o Galo. Nesse cenário, uma dívida de R$ 1 bilhão, que já exigiria cuidados em tempos normais, passa a exigir atenção redobrada. Mas ao contrário do que afirmam (ou torcem) os simpáticos apresentadores da TV por assinatura, a situação financeira do clube de forma alguma inviabiliza o projeto de grandeza do Galo.

CONTAS ABERTAS

Ainda não tive acesso aos números de 2020 e não terei enquanto o balanço não for trazido a público. O clube tem até o final de abril para apresentar os demonstrativos do exercício anterior. É isso que estabelece a lei nº 10.672, de 15 de maio de 2003. Ela determina que os clubes de futebol têm a obrigação de “elaborar e publicar suas demonstrações financeiras na forma da lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, após terem sido auditadas por auditores independentes”. 

A situação financeira do Atlético exige cuidados — mas até aí não há qualquer novidade. Se existe um clube brasileiro que sempre fez questão de admitir suas dificuldades e nunca procurou simular uma riqueza que não tinha, esse clube é o Galo. Mesmo antes da lei que obrigou a todos os clubes a apresentar seus demonstrativos financeiros, o Galo já dava publicidade a seus números. 

Atenção rapaziada! A edição de 23 de dezembro de 2002 do Diário do Comércio, de Belo Horizonte, trouxe em sua página 5 o balanço do Clube Atlético Mineiro referente aos exercícios de 2000 e 2001. Até àquela altura, nenhum clube brasileiro tinha tomado essa providência. Para efeito de registro, o Galo fechou o exercício de 2001 com um prejuízo de exatos R$ 12.117.865. Ricardo Guimarães era o presidente da época.

O passivo circulante, que inclui Dívidas com Fornecedores, Empréstimos e Financiamentos, Obrigações Sociais e Tributárias (mesmo as parceladas), as provisões exigidas por lei e outros itens alcançava R$ 51.662.892. E o Exigível a Longo Prazo (Empréstimos e Obrigações Tributárias Parceladas), R$ 42.296.347.

Havia uma razão concreta para a diretoria do clube dar clareza aos números que, em 2001, já eram desconfortáveis para um clube que registrou uma Receita Operacional de modestos R$ 37.935.818. Depois da rapinagem que o clube sofreu nos anos 1990, que quase o levou à insolvência, a diretoria devia uma satisfação para o conselho, a torcida, os credores e a todo mundo. E, desde então, com momentos de maior e outros de menor destaque para a situação, as finanças do Atlético se tornaram um livro aberto, à disposição de quem não tiver preguiça de consultá-lo. 

MELHOR OU PIOR?

O problema é que ninguém vive em 2001 e a situação de 2020, como se sabe, é muito diferente. As obrigações, pelo que disse o presidente, bateram em R$ 1 bilhão (eram de R$ 887 milhões no exercício anterior passado). Esse número inclui empréstimos e financiamentos, contas a pagar na transferência de jogadores, tributos e contribuições sociais a recolher. Permito-me, antes de prosseguir, fazer uma última comparação. Em 2001, como foi mostrado, o Galo registrou um prejuízo de R$ 12 milhões para uma receita de R$ 37 milhões. Em 2019, último resultado disponível, a receita foi de R$ 342 milhões e o prejuízo, de R$ 5,7 milhões. Dispa-se dos preconceitos e responda: na sua opinião, a situação piorou ou melhorou nos 20 anos que nos separam de 2001?

O que se sabe em relação ao balanço que sairá em 2020 que em pelo menos um item preocupante a situação melhorou em relação a 2019. Em dezembro do ano passado, no apagar das luzes da gestão de Sérgio Sette Câmara, o clube anunciou o acordo que confirma a presença no Profut, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal no Futebol Brasileiro. 

Os impostos e contribuições em atraso, que poderiam render a dor de cabeça humilhante da retenção de receitas, foram consolidados e divididos em parcelas mensais adequadas ao orçamento. O que o clube não pode fazer daqui por diante é atrasar o pagamento dessas parcelas e deixar de cumprir as obrigações tributárias de cada exercício. Há um detalhe que o balanço não deixa claro, até porque não precisa descer a esse nível — mas que um jornalista interessado tem a obrigação de saber. 

Uma parte expressiva dos Empréstimos e Financiamentos do clube tem como credor o banqueiro e ex-presidente Ricardo Guimarães. A única taxa de juros que incide sobre essa parte da dívida é a Selic — elevada dias atrás para 2,75% ao ano. A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida em fevereiro, foi de 5,2%. Estamos falando, portanto, de juros negativos. Alguém quer emprestar dinheiro nessas condições? Aceito na mesma hora! 

DIAMMOND MALL

Ninguém está dizendo que a situação do clube é um mar de rosas. Há uma outra parte da dívida que foi contraída a juros de mercado e que exige atenção triplicada dos gestores e dos empresários que investem para fazer do Galo um clube de respeito. Essa dívida exige, é claro, atenção redobrada do grupo responsável pela gestão do Atlético — que inclui o presidente Sérgio Coelho, o vice-presidente José Murilo Procópio, e os empresários Renato Salvador, Ricardo Guimarães, Rubens Menin e seu filho Rafael, que é também o vice-presidente do Conselho Deliberativo. 

A solução mais sensata, nesse caso, é vender a parte que o Galo ainda possui no Diammond Mall, o shopping center construído no terreno do antigo Estádio Presidente Antônio Carlos. Caso isso aconteça, o clube se livrará de uma conta que hoje em dia drena suas finanças de forma cruel. Segundo Sérgio Coelho, na entrevista à Itatiaia, o clube paga em juros, por ano, um valor inferior ao que recebe em troca dos royalties pelo shopping. E esse valor, é expressivo…

Atenção senhores! Não peço que ninguém acredite em mim de olhos fechados. Os números mais recentes estão disponíveis. Basta consultá-los. Além disso, o ponto de vista da venda do patrimônio para pagar a dívida pode causar incômodo a alguns. Mas é um recurso recomendado pelos principais especialistas mundiais em finanças e seguido por várias empresas portentosas como meio de salvação de seus negócios. No caso específico do Atlético, quem defende esse ponto de vista é a Ernst & Young, uma das maiores firmas de consultoria do mundo, que já vem há algum tempo trabalhando para por ordem nas contas do clube. 

DESABAFO

Dito isso, peço licença para um desabafo. Chega a ser irritante a forma que essa turma fala das dificuldades financeiras do Galo e aplaude a lambança praticada pelos clubes preferenciais da emissora a quem devem obediência. Ninguém se espantou, por exemplo, quando o presidente do Palmeiras, dias atrás, admitiu numa entrevista à TV uma manobra que joga por terra qualquer fundamento minimamente sério da contabilidade. Conforme ele disse, uma quantia expressiva anunciada pelo clube como investimento em marketing acabou se transformando no meio do caminho em empréstimo da “patrocinadora”. É como se um pilantra qualquer, depois de presentear a namorada com um anel de brilhante, mandasse para ela a conta da joalheria… 

A admissão desse (chamemos assim) mau passo contábil não despertou sequer a curiosidade dos rapazes simpáticos nem das moças sorridentes que falam de futebol na TV. Afinal, o Palmeiras é um modelo de gestão aplaudido pela turma, não é mesmo? Se eles estão agindo assim é porque sabem o que estão fazendo. 

O tratamento dado ao Palmeiras é até discreto quando comparado aos elogios que o pessoal derrama para o Flamengaço Classificadaço. O clube, até cerca de dez anos atrás, tinha a maior dívida entre os grandes clubes brasileiros. De uma hora para outra, e sem que se tivesse clareza às ações responsáveis por esse milagre, a dívida simplesmente virou fumaça. Desapareceu. Sumiu! O Galo nunca teve, como o Flamengaço parece ter tido, a sorte de ver seu balanço receber uma merretada daqui, outra dali, e pouco a pouco ir fazendo a dívida diminuir, diminuir até deixar de chamar atenção. 

No Atlético isso não aconteceu. Contabilizada ano a ano conforme os “princípios contábeis geralmente aceitos”, a dívida do alvinegro só fez aumentar — e é mais do que evidente que a situação estaria muito pior se o clube não contasse com o apoio financeiro dos empresários que não apenas investem em sua recuperação como, também, chamam para si a responsabilidade de se envolver com a gestão do clube. E isso tem gerado resultados não só para o financeiro como, também, para a adoção de providências que ajudam a tapar os ralos por onde, até pouco tempo atrás, escoavam os recursos do Atlético.

TADINHO DO CICINHO!…

A título de comparação, e apenas para lembrar de uma tramoia lesiva aos interesses do clube, é possível afirmar que, no ambiente atual, seria praticamente impossível haver um caso parecido com o daquele lateral chamado Cicinho. No final de 2003 o rapaz quebrou por conta própria um contrato em vigor e se evadiu do clube na calada da noite… 

De caráter tíbio, conforme atesta muita gente que conviveu com ele, Cicinho foi seduzido por cartolas espertalhões e simplesmente se mandou para o São Paulo. Recebeu a garantia de que estava tudo certo e que as costas quentes do clube paulista impediriam qualquer reação do Atlético àquela malandragem. De fato, tudo parecia correr às mil maravilhas para o sujeito. Protegido por uma liminar expedida por um ministro do TST que é conselheiro do São Paulo, Yves Gandra Marins Filho (que não alegou impedimento para dar sua decisão), Cicinho parecia viver no paraíso. 

Até que um dia, quando menos se esperava, ele foi surpreendido por um processo em que o Atlético exigia que ele pagasse parte do prejuízo que a esperteza da turma lhes causou. Foi obrigado a assinar um cheque de R$ 3 milhões para se acertar com a Justiça e, depois disso, se pôs a falar mal e a se dizer magoado pelo fato de o Atlético não abrir mão do dinheiro que, segundo a Justiça, era devido por ele. Até hoje ele se queixa disso. Tadinho do Cicinho… ôôôôôôô dóóóóóóóó!!!!

O dinheiro desse cara, é claro, não resolve o problema do Galo. Mas pelo menos serve para mostrar que os tempos são outros. E mostra que, com atitudes como essa e padrões rígidos de administração, o Galo conseguirá equacionar a situação e ter dinheiro para dar muitas alegrias à massa. Eu acredito!