Ridley Scott e Joaquin Phoenix voltam a colaborar em Napoleão

Figura muito citada em livros de História e em paródias, Napoleão Bonaparte foi um dos grandes conquistadores e estrategistas militares do mundo. Ridley Scott, o competente veterano que dirigiu longas históricos e bélicos como Gladiador (Gladiator, 2000) e Cruzada (Kingdom of Heaven, 2005), decidiu seguir na linha desses dois, dessa vez com uma história real. Napoleão (Napoleon, 2023) chega aos cinemas essa semana numa versão de mais de 2h30, com outra de 4h já programada para entrar no Apple TV+.

Com um ritmo um pouco lento entre batalhas, o filme se alterna entre a vida pessoal e as maquinações políticas de Napoleão. Escrito por David Scarpa (que trabalhou com Scott em Todo o Dinheiro do Mundo, 2017), o roteiro toma algumas liberdades frente aos fatos, com alguns historiadores já apontando algumas inverdades – o que Scott prontamente desmereceu em entrevistas, já que a arte não tem compromisso com a verdade. Eles contam a história do jeito que acham melhor.

O filme se inicia na Revolução Francesa, com o fim do absolutismo na França e a chegada ao poder de Robespierre, o jacobino acusado de usar a guilhotina contra seus inimigos pessoais. Em meio a esse turbilhão, um oficial da artilharia demonstrou apoio ao grupo que chegava, os girondinos, e ajudou a consolidá-los no poder. Subindo junto, acabou colocando os colegas para escanteio e se tornando o imperador da França. Se esse parágrafo resume bem o período, o mesmo pode-se dizer da obra, que pula várias passagens, como quando Bonaparte foi preso por apoiar os jacobinos.

É bom deixar claro que essa crítica é escrita a respeito da versão exibida nos cinemas, com 2h38 de duração. Pode-se argumentar que alguns problemas do filme se devem a cortes da versão definitiva, mais longa. Isso não justifica nada. É como tentar adivinhar o que um escritor tinha em mente quando escreveu um livro. Se não está na obra, não pode ser considerado. Logo, o filme Napoleão pula vários momentos importantes e deixa diversas pontas no ar. Há personagens que são simplesmente abandonados e não conseguimos entender todo o tempo o que está acontecendo.

Como tem sido comum em cinebiografias (nas musicais, principalmente), temos ótimas atuações. No papel principal, Joaquin Phoenix (Oscar por Coringa, 2019) faz o que o roteiro provavelmente pede: ao invés de viver um vilão em sua totalidade, como o Commodus de Gladiador, ele tenta mostrar um misto de megalomania e humanidade e até um quê de carência. A mãe parece ter um papel muito importante na vida dele, mas isso é extremamente mal desenvolvido. O único problema é que, em boa parte do tempo, Phoenix parece apagado, examinando as situações ao invés de vivê-las. O ator é sempre bom, mas o filme demanda mais dele.

Quem frequentemente rouba a cena é Vanessa Kirby  (de Pedaços de Uma Mulher, 2020). Se ela consegue fazer isso com Tom Cruise (na franquia Missão: Impossível), com Phoenix não seria diferente. Com falhas de caráter sendo apontadas aqui e ali, Josephine precisaria de grande carisma e força para não ser imediatamente odiada pelo público. Kirby tira de letra e ainda coloca, por que não?, uma pitada de fragilidade, dando um afago no ego do pequeno homem que ela ama. A baixa estatura de Bonaparte é abordada bem levemente, e a mão na barriga, retratada na famosa pintura de Jacques-Louis David (Sam Crane), é deixada de lado, já que não se sabe ao certo a razão – podia ser apenas uma pose para o artista.

O robusto orçamento de US$ 200 milhões é justificado pelo design de produção do parceiro habitual de Scott, Arthur Max. Cenários e figurinos são majestosos, garantindo desde já indicações aos prêmios da temporada, tudo valorizado pela eficiente fotografia de Dariusz Wolski, outro colaborador frequente do diretor. Se tudo isso vai funcionar melhor quando chegar ao streaming, só saberemos num futuro próximo. Da forma como está, falta muito para Napoleão ser uma grande obra.

Phoenix e Scott trabalharam juntos em Gladiador, de 2000

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As Marvels, de maravilhoso, não tem nada

Muito tem se falado de uma tal fadiga dos filmes da Marvel: as pessoas estariam se cansando dos heróis desse universo tamanho o número de filmes e séries.  E tudo acaba se embolando, já que você precisa ver tudo para entender a próxima atração, quase como num esquema de pirâmide do entretenimento. A verdade é que o problema de As Marvels  (The Marvels, 2023) é o próprio filme: o roteiro é o mais genérico possível, as situações são descabidas, a lógica que o próprio filme cria é desrespeitada o tempo todo e a direção não tem um pingo de personalidade, parecendo apenas mais um produto Marvel padrão.

Não dá para entender porque contratar Nia DaCosta para a direção. Os estúdios Marvel sabem de onde estão saindo, para onde estão indo e como deve ser conduzida essa jornada. Uma diretora com personalidade, que tem chamado bastante a atenção e lançou recentemente o ótimo A Lenda de Candyman (Candyman, 2021) não seria a melhor escolha – para ela, principalmente, já que teria que obedecer ao invés de conduzir. Ela está entre as várias mãos que assinam o roteiro, mais do que as que foram creditadas, contando inclusive com o pessoal que anda participando das salas de roteiros das séries. Ou seja: pouco do que DaCosta havia planejado inicialmente chegou à versão final.

As três protagonistas da trama já são conhecidas do público, caso tenham assistido às obras anteriores, que as apresentaram. A Capitão Marvel, também chamada de Carol Danvers (vivida por Brie Larson), é a única que teve seu próprio filme de origem, além de ter feito outras participações especiais. A jovem Ms. Marvel, ou Kamala Khan (Iman Vellani), teve uma série com seu nome para contar sua história. Só Monica Rambeau (Teyonah Parris) entra em desvantagem: além de não ter uma alcunha de guerra, não teve seu passado muito explorado. A Marvel se contentou em colocá-la na série WandaVision, quando adquiriu seus poderes por ter tido contato com a Feiticeira Escarlate. Poderes esses que nunca ficam muito claros.

A semelhança entre os poderes das três faz com que elas troquem de lugar toda vez que o usam, o que nunca fica bem explicado ou mesmo possamos entender a regra. E esse é um dos grandes problemas desse As Marvels: ele não segue a lógica interna, tudo acontece por conveniência. Toda questão a ser resolvida é assustadoramente fraca, apresentando conflitos impensáveis até para novelas da Record. A vilã (Zawe Ashton, de Velvet Buzzsaw, 2019) não tem um pingo de expressão e se resume a fazer caretas. Ao final, a dúvida que fica é: por que mesmo esse filme foi feito?

Nada em As Marvels é memorável. Talvez um ponto a ser ressaltado seja a participação de Vellani, engraçada e carismática sem cair no ridículo. Sua família aparece de forma comedida, mesmo com seus costumes, sem o humor exagerado de Besouro Azul (Blue Beetle, 2023), que trazia mexicanos saídos de uma comédia do Leandro Hassum. Larson consegue mostrar mais simpatia que anteriormente, mas a serviço do pior roteiro da Marvel – talvez em empate técnico com Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder, 2023).

O personagem que mais aparece em produções dos estúdios Marvel, Nick Fury, marca presença, mais uma vez vivido por Samuel L. Jackson, mas não tem muito o que fazer e não chega a lugar nenhum (como em Invasão Secreta). A cena no meio dos créditos acena para algo que todos esperamos e que deve levar ao futuro do Universo Cinematográfico Marvel. Talvez, com menos produções ao ano, voltemos a ter algo que preste dessa turma.

Dar-Benn conseguiu ser uma das mais inexpressivas vilãs do MCU

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David Fincher apresenta seu Assassino na Netflix

Um nome como o de David Fincher é sempre cercado de muita expectativa. A reunião do diretor com Andrew Kevin Walker, o roteirista de um de seus maiores sucessos, Seven (1995), gerou ainda mais barulho e todos estavam de olho na Netflix para o lançamento. A verdade é que O Assassino (The Killer, 2023) desapontou muita gente. Está longe de ser ruim, como alguma bobagem estrelada por Liam Neeson, mas esperava-se que fosse mais do que apenas bom.

No papel título, temos o sempre competente Michael Fassbender (o Magneto na versão mais jovem dos X-Men), mais silencioso do que nunca. Ele vive um assassino de elite, de tocaia, esperando pela chegada da vítima, que ele não conhece. Quando o tal sujeito chega, algo dá errado e começa o problema. O roteiro de Walker é baseado numa série de quadrinhos franceses escritos por Alexis “Matz” Nolent e ilustrados por Luc Jacamon. Não há nenhum furo incontestável, mas há situações que podem ser discutidas e parecem improváveis. Ficamos esperando um arroubo de genialidade, como vimos em Seven, Clube da Luta (Fight Club, 1999) ou Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), por exemplo, e ele não chega.

Conhecemos do protagonista apenas o essencial, como sua preferência peculiar pelas músicas dos Smiths. Ele não chega a ser raso, mas também não é nenhum primor de desenvolvimento. Todas as figuras que cruzam o caminho dele passam pela mesma situação: nem nome têm. São apenas tipos, peças de um mecanismo que parece rodar sozinho, ninguém tem culpa de nada ou é o responsável. As interações de Fassbender com seus colegas são em sua maioria interessantes, ficando o destaque por conta da “expert” de Tilda Swinton (de Asteroid City, 2023). Para nós, brasileiros, uma participação curiosa é a de Sophie Charlotte (de Meu Nome É Gal, 2023), que não tem como fazer muito com alguns segundos em cena.

Além das canções não originais da banda de Morrissey, a trilha ficou a cargo da dupla vencedora de dois Oscars Trent Reznor e Atticus Ross, colaboradores frequentes de Fincher. Desde A Rede Social (The Social Network, 2010), essa é a quinta parceria. Dessa vez, no entanto, não ouvimos nada memorável, é tudo muito discreto. Ainda assim, a dupla recebeu uma menção especial no Festival de Veneza. Como os diálogos são escassos, a fotografia precisaria ser especialmente bem sucedida, mostrando o que precisamos saber. O oscarizado diretor de fotografia Erik Messerschmidt (de Mank, 2020) cumpre bem sua função, aproveitando tanto os cenários internos quanto os externos, situando o espectador.

Algo que pode e deve ser debatido sobre O Assassino é o humor sutil que permeia a trama. O protagonista passa uma aura de infalível, de sempre prever tudo e não deixar escapar nenhuma ponta – como deixam claro os chavões que ele fica repetindo mentalmente. No entanto, sempre que ele é bem sucedido, o acaso interveio, monstrando que ele não é tão fodão assim. Talvez ele não fosse o antagonista ideal para James Bond, mas para Maxwell Smart, o Agente 86. Uma nova sessão do longa pode vir a revelar novos detalhes. Afinal, estamos falando de David Fincher.

Sophie Charlotte despe-se de sua beleza para aparecer em O Assassino

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Muito mais que um Trapalhão, Mussum ganha homenagem

Chegou aos cinemas a vida de um grande brasileiro que talvez não tenha seu devido valor reconhecido. Antônio Carlos Bernardes Gomes era um sambista naturalmente engraçado que acabou virando comediante e entrava todas as semanas nas casas de milhares de espectadores como um dos Trapalhões. Mussum – O Filmis (2023), atualmente na quarta posição entre as maiores bilheterias no país, foi o grande vencedor na 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado e funciona como uma bela homenagem.

O carismático Ailton Graça (de M-8, 2019) lidera o elenco vivendo o protagonista em idade adulta, e Yuri Marçal (de Vale Night, 2022) faz o mesmo papel, mais jovem, sendo tão bem sucedido quanto o colega. Carlinhos, como Antônio Carlos era conhecido, era um menino pobre, criado pela mãe, que parecia destinado às Forças Armadas, mas o samba falou mais forte. Muitos devem conhecer Mussum apenas dos programas humorísticos, o que torna mais interessante saber quais caminhos a vida dele tomou. E ainda conferimos a caracterização de várias outras celebridades que aparecem aqui e ali. A semelhança de Gustavo Nader e Zacarias é impressionante!

Além de Graça e Marçal dividirem um personagem, Cacau Protásio (de O Porteiro, 2023) e Neusa Borges (da série Auto Posto) fazem o mesmo com a mãe de Mussum, Malvina. Todos são bem sucedidos, quase sem exageros, e Paulo Cursino, o roteirista (de Vizinhos, 2022), consegue fugir das armadilhas do dramalhão, do choro fácil. Silvio Guindane, ator que faz sua estreia na direção de um longa, conduz com mão leve e evita o tom episódico que cinebiografias costumam ter, apenas passando pelos fatos cronologicamente.

Um elemento que sem dúvida chama a atenção nesse Mussum – O Filmis é a trilha sonora. Além dos Originais do Samba, grupo do qual Antônio Carlos fazia parte, temos muitos outros artistas que passam pela história e dão uma palinha. Jorge Ben e Elza Soares são alguns deles, bem representados e tocados. Max de Castro, responsável pela trilha, foi outro premiado em Gramado, num total de seis estatuetas. Prêmios merecidos para um filme bem feito que ainda vai levar muito público aos cinemas.

As duas versões de Os Trapalhões

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George e Tammy contam sua tumultuada história

George Jones foi um dos maiores nomes da música country norte-americana. Um belo dia, foi apresentado à novata Tammy Wynette, que passou a cantar com ele e atingiu enorme sucesso também. Essa é a história vista nos palcos, quando os dois se apresentavam juntos e a atração mútua era inegável. O que de fato aconteceu tomamos conhecimento na minissérie George & Tammy, cujos seis capítulos foram exibidos na TV americana entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 e hoje estão disponíveis no serviço de streaming da Paramount.

Para quem gosta de conhecer melhor a vida de celebridades, essa série é um prato cheio. Baseado no livro da única filha do casal, Georgette Jones, que serviu como consultora para a produção, o roteiro pode até ter inconsistências quanto à ordem de certos eventos, mas os fatos narrados são bem coerentes. Nada que dê para perceber sem uma longa pesquisa. Ao contrário de filmes como Johnny e June (Walk the Line, 2005) e Ray (2004), há mais tempo para o desenvolvimento das situações e das relações entre os personagens, fazendo com que nos importemos mais com eles. E o tom fique menos episódico.

O ponto positivo que salta aos olhos nesse tipo de produção é invariavelmente o trabalho dos atores, e aqui não é diferente. Michael Shannon, o General Zod da DC (em Homem de Aço e Flash), e Jessica Chastain, oscarizada por Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye, 2021), travam um duelo bonito de se ver, mostrando a força e as fraquezas de seus personagens. Shannon, escalado após um problema de agenda forçar Josh Brolin a sair, dá dignidade a Jones até correndo bêbado de cueca pela rua, indo facilmente de um extremo a outro. E Chastain confere a Wynette a majestade que a cantora tinha, com todas as nuances necessárias. Não coincidentemente, o criador da série, Abe Sylvia, é um dos roteiristas de Tammy Faye, colocando Chastain para cantar mais uma vez.

Em determinado momento, uma fã pergunta a Wynette algo relacionado ao fato dela sempre cantar sobre homens, se colocando em uma situação de submissão. Infelizmente, essa não é uma discussão desenvolvida pela produção, mas percebemos uma mudança de posicionamento pela cantora, que passa a não tolerar certos abusos. Chastain de fato consegue criar uma figura tridimensional, de vários lados, que ama e sofre, mas não é boba. E as músicas dos dois artistas não roubam a cena, tocando pontualmente, sem forçar ninguém a gostar delas. É importante mencionar que são Shannon e Chastain que cantam, e não fazem feio.

Mesmo que contada de forma tradicional e cronológica, a história de George & Tammy não é muito presa a datas, e às vezes não sabemos nem a década do que está acontecendo. As mudanças de penteados, maquiagem e figurinos são discretas e só chamam atenção quando o salto temporal é maior. O que importa, mesmo, é a interação entre George e Tammy, e os coadjuvantes que vamos conhecendo. Figuras como Walton Goggins (de Entre Armas e Brinquedos, 2020) e Steve Zahn (de The White Lotus) trazem ainda mais valor à produção.

Os verdadeiros George Jones e Tammy Wynette, em 1968

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Scorsese acerta de novo com Assassinos da Lua das Flores

Depois de nove colaborações com Robert De Niro e cinco com Leonardo DiCaprio, Martin Scorsese resolveu reunir os dois atores consagrados na adaptação de um livro de sucesso lançado em 2017. Trabalhando juntos pela primeira vez sob a batuta do amigo, os dois velhos conhecidos têm desempenhos não menos que fantásticos em Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon, 2023), como todos os demais envolvidos. Scorsese, em vias de completar 81 anos, prova mais uma vez ser um dos melhores cineastas da história do cinema com uma trama de ambição, corrupção e morte.

Na década de 1920, indígenas da tribo Osage descobrem petróleo em suas terras e negociam os direitos de exploração, tornando-se alguns dos cidadãos mais ricos dos Estados Unidos. Infelizmente, dinheiro traz consigo o pior do ser humano e logo os crimes começam a acontecer, colocando em risco a vida de todos eles. E havia dois agravantes: crimes cometidos em terras indígenas não eram investigados pela polícia branca; e ninguém dava a mínima quando um deles era assassinado. Causava mais comoção chutar um cachorro, como um deles descreve.

Nesse cenário, conhecemos os personagens principais e uma infinidade de coadjuvantes, todos bem introduzidos e desenvolvidos dentro do necessário. Cortesia de Eric Roth, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por Forrest Gump (1994) e indicado outras seis vezes, e do próprio Scorsese, que adaptaram o livro de David Grann, jornalista que já originou outros quatro filmes (como Justiça em Chamas, 2018). De Niro e DiCaprio, que contracenaram pela primeira vez em O Despertar de Um Homem (This Boy’s Life, 1993), dispensam apresentações e merecem todos os elogios possíveis. O outro destaque fica para Lily Gladstone (da série Billions), atriz que tem ascendência indígena e, apesar de ter menos experiência, não fica atrás dos colegas.

Cada personagem tem uma jornada bem particular e muito interessante. Ernest Burkhart, vivido por DiCaprio, é recém-chegado da guerra e vai procurar o tio bem sucedido em busca de uma oportunidade. Ele não chega a ser ingênuo, mas começa bem mais inocente. Bill Hale (De Niro), o tio, é chamado por muitos de Rei e age como tal. É o típico cidadão de bem, visto por todos como bonzinho e caridoso, que tem seus planos escusos sempre prontos para serem executados. E Mollie (Gladstone) ficou rica repentinamente e precisa aprender a lidar com tudo que vem com a riqueza, inclusive a disputa de pretendentes. De quebra, ainda temos um relance dos primórdios do FBI, a polícia federal norte-americana.

Os 200 milhões de dólares do orçamento foram muito bem gastos. Além de pagar o elenco, que ainda conta com nomes como Jesse Plemons, John Lithgow e o oscarizado Brendan Fraser, o longa conta com um design de produção primoroso, que recria a cidade principal e os vilarejos que a cercam, e conta inclusive com consultores dos próprios Osage, para dar veracidade aos figurinos, cenários e costumes. Mais uma vez, quem cuida da montagem é Thelma Schoonmaker, histórica colaboradora de Scorsese. O excesso de duração, com 3h26min, é discutível, mas não percebemos nada sobrando, o que novamente é ponto para a montadora. E, falando em colaborador frequente, não podemos esquecer o já saudoso Robbie Robertson, ex-membro da The Band e responsável por várias das trilhas do diretor, que também faz um ótimo trabalho com as canções da época. Além das músicas de nativos norte-americanos, Robertson compôs a trilha original, que completou antes de falecer, no último mês de outubro.

Filmado nas terras dos Osage, em Oklahoma, Assassinos da Lua das Flores traz muita verdade, fazendo com que essa triste história fique bem conhecida, e certamente será destaque na próxima temporada de premiações. Scorsese, Roth e Gladstone, principalmente, devem concorrer a muitos prêmios, entre outras categorias. Mesmo que, em breve, o filme chegue ao serviço de streaming Apple TV+, é um daqueles que merecem ser vistos na tela grande, em toda a sua riqueza de detalhes e sem interrupções. Como diz o meme que leva a imagem de Scorsese: “isso é Cinema!”.

Dois dos destaques do filme: Gladstone e Scorsese

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Ângela Diniz tem sua história contada no Cinema

Está em cartaz e merece ser conferido o longa que conta um fato real e estarrecedor, muito discutido até hoje. Ângela (2023) se debruça sobre os últimos dias da vida de Ângela Diniz, socialite mineira assassinada em meados da década de 70. Com interpretações fortes, o filme faz um bom trabalho ao construir uma relação tóxica e mostrar como as coisas podem facilmente sair dos eixos quando uma das pessoas envolvidas é completamente desequilibrada.

Insatisfeita em um casamento de quase dez anos, Ângela pediu o desquite, aceitou perder a guarda dos filhos para conseguir se separar e acabou indo parar no Rio de Janeiro. Lá, se envolveu com o famoso colunista social Ibrahim Sued e conheceu aquele que seria o seu algoz, Raul “Doca” Street. A vida de Ângela teve outras situações complicadas ou mal explicadas, como o assassinato do caseiro ou ela sequestrar a própria filha, mas os realizadores do filme optam por focar no relacionamento dela com Raul, que por algum motivo não é chamado de Doca, como era conhecido.

Por alto, boa parte dos brasileiros, principalmente os mineiros, deve conhecer o caso, que volta e meia ganha os holofotes por discussões jurídicas. Um conhecido podcast recente narrou os fatos detalhadamente, mas é claro que não caberia tudo em um longa metragem. Talvez por julgar que todos conheçam as informações periféricas, o roteirista Duda de Almeida (de séries como As Aventuras de José & Durval) exclui muita coisa, e algumas informações são jogadas para o espectador pela metade, sem nenhuma explicação.

Vivendo a protagonista, Ísis Valverde faz um ótimo trabalho – exceto quando chora, soando exagerada e falsa. Com uma personagem muito mais rica que as das novelas que faz, a atriz usa e abusa de seu carisma, beleza e sotaque, nos dando uma ótima ideia de como Ângela devia ser. A outra metade da complicada relação é interpretada por Gabriel Braga Nunes, outra figura excelente que traz humanidade e violência na mesma medida para o assassino, nos mostrando que monstros não necessariamente têm a aparência monstruosa. Pelo contrário, podem ser galantes e sedutores. Em papéis menores, temos os também competentes Bianca Bin, Alice Carvalho, Gustavo Machado, Carolina Manica e Emílio Orciollo Neto.

Tendo tido a experiência de filmar a vida de Elis Regina em Elis (2016), o diretor Hugo Prata ainda comandou oito dos 13 episódios de Coisa Mais Linda, série ficcional que retrata o mesmo período vivido por Ângela e tem muitas similaridades com a história dela. Uma grande diferença entre as obras, no entanto, é a trilha sonora: enquanto a série traz faixas clássicas da MPB e samba, o filme apresenta músicas instrumentais genéricas e sem qualquer apelo.

A sessão de Ângela é justificada pela química entre o casal principal, que pega fogo, e pela história real da socialite covardemente assassinada. Inteligentemente, Prata deixou de fora partes mais picantes da vida da biografada, evitando que algum canalha pudesse justificar seu assassinato por seu estilo de vida. Ângela vivia da forma que queria, sem dar satisfações, e isso causava certo escândalo na sociedade brasileira conservadora e hipócrita dos anos 70. Por isso, ela pagou um preço muito alto.

Ísis Valverde e a verdadeira Ângela Diniz, a quem ela dá vida

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Diretor de Halloween agora ataca O Exorcista

Esperaram 50 anos do lançamento de O Exorcista (The Exorcist, 1973) para revisitarem o já clássico longa, essencial em qualquer lista de melhores de terror – ou de qualquer gênero. Chega aos cinemas essa semana O Exorcista – O Devoto (The Exorcist: Believer, 2023), sequência direta para o original que conseguiu um feito inédito: trazer de volta Ellen Burstyn, que viveu a mãe da garota possuída mais famosa da sétima arte. E o acordo financeiro de mais de 400 milhões de dólares garante que a produtora Blumhouse fará uma trilogia, independente do resultado deste episódio.

Em 1973, a menina Regan MacNeil (Linda Blair) brincou com uma tábua Ouija, começou a conversar com um amigo imaginário e logo passou a vivenciar eventos aterrorizantes, como a cama pular do chão. Ela já estava possuída e a situação só piora. A mãe, Chris (Burstyn), desesperada após não ter uma solução médica, apela à Igreja Católica. Entra em cena o Padre Karras (Jason Miller), que se propõe a ajudar e acaba trazendo para o caso o famoso exorcista Padre Merrin (Max von Sydow), até que chegamos ao esperado exorcismo de Regan.

Com roteiro de William Peter Blatty, adaptado de seu próprio livro, o filme fez uma bilheteria fantástica e foi indicado a 10 Oscars, levando dois – Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som. Marcou para sempre a carreira do já saudoso diretor William Friedkin e teve sequências e derivados, como o horroroso O Exorcista II: O Herege (Exorcist II: The Heretic, 1977), o tenso O Exorcista III (The Exorcist III, 1990) e a recente e fraca série da Fox, cancelada após duas temporadas (2016-2017). David Gordon Green, que comandou a trilogia que deu continuidade a Halloween, está à frente aqui. O que é bem desanimador, já que ele matou Michael Myers (em alguns sentidos), principalmente no segundo e terceiro filmes.

O Devoto, primeira parte da trilogia da Blumhouse, começa com um preâmbulo sobre um casal que está esperando sua primeira filha. Treze anos depois, a menina e uma amiga resolvem invocar espíritos na floresta e dão início à trama. É preciso reconhecer que o filme não é a bomba que está sendo descrita lá fora: alguns críticos têm pegado pesado em suas colocações. Isso provavelmente se deve ao amor que todos têm pelo original, e as comparações são inevitáveis. Se não é uma bomba, esse novo capítulo também está longe de ser bom.

Numa coisa as críticas têm razão: Gordon Green não chega ao dedão do pé de Friedkin e o novo longa não tem a emoção, a tensão ou o suspense do de 73, nem de longe. Dessa vez, temos um pouco mais de apelação nos diálogos e na violência gráfica, com direito a mensagem edificante, o que faz até o mais esperançoso dos cinéfilos desanimar. O filme não consegue homenagear o clássico e não produz nada relevante a este universo, ficando devendo em vários sentidos.

Uma coisa que Gordon Green e seus colegas roteiristas parecem querer fazer devido aos tempos em que vivemos é atualizar alguns elementos, como aumentar a participação feminina na resolução dos problemas e abranger mais religiões que apenas a católica. A forma como as coisas se desenrolam, no entanto, deixa a desejar: o pastor presbiteriano, por exemplo, é mostrado como um zero à esquerda. O final, buscando ser impactante, é bem sem pé nem cabeça, inventando novas regras num jogo que acreditávamos conhecer.

Em comparação com o trabalho da jovem Linda Blair, as duas meninas endemoniadas soam bem genéricas – até por serem duas, dividindo o choque que já quase não existe. E não temos menção a Pazuzu, tornando genérico até o demônio. É ótimo rever Ellen Burstyn num papel que amamos, mas ela merecia um filme melhor. Ou bom, ao menos. Leslie Odom, Jr. (Uma Noite em Miami…, 2020) e Ann Dowd (de Hereditário, 2018) entregam boas interpretações e são os únicos dignos de destaque.

Resta saber o que o produtor Jason Blum e Gordon Green estão planejando para as próximas duas partes, garantidas por contrato. Fotografia, design de produção e outros quesitos técnicos funcionam bem, mas precisam de uma boa história. A melhor coisa desse O Devoto é a música tema, aproveitada do clássico: Tubular Bells, de Mike Oldfield. Ou seja: o que é memorável não é novo. Ficam a lembrança da faixa e o medo do que há por vir. Pelos motivos errados.

Entre a possuída antiga e as novas, fique com a original

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Adolescentes conversam com os mortos em Fale Comigo

É impressionante como os adolescentes personagens em filmes, principalmente os norte-americanos, ainda não aprenderam que não devem brincar com os mortos. Brincadeiras à parte, uma nova obra de terror chegou aos cinemas e trouxe consigo um pouco de ar fresco. Fale Comigo (Talk to Me, 2022) parte do mesmo ponto que muitos outros já invocaram, mas consegue chegar num resultado mais criativo que a maioria, atendendo bem à tão complicada demanda por um bom filme de terror.

 

Fazendo sua estreia na direção de um longa-metragem para o Cinema, os irmãos gêmeos e youtubers Michael e Danny Philippou mostram ter boas ideias e fogem do óbvio. Criando situações interessantes, eles evitam clichês e não tratam ninguém como imbecis, nem o público, nem seus personagens. As mesmas características dos jovens de, digamos, John Hughes, encontramos nesses, com pequenas atualizações. Buscando serem aceitos e fazerem parte, topam se arriscar e fazem algumas burrices. Temos ainda um forte sentimento de perda que vai definir os movimentos de um deles.

Chega às mãos de um colegial popular e ligeiramente babaca uma mão endurecida que, antes de ser revestida, supostamente pertenceu a uma vidente. Ela daria a qualquer um o poder de falar com os mortos e os protagonistas logo se motivam a participar do joguinho. Tudo corre bem num primeiro momento, mas eles não demoram a quebrar as regras e a enfrentar as consequências. As coisas vão acontecendo de forma dinâmica, uma vez que o clima de tensão foi estabelecido, e tudo se encaixa bem.

A atriz Sophie Wilde ganha aqui sua primeira oportunidade num longa, e ainda no papel principal, e deve ficar bem famosa com seus próximos trabalhos. Um deles, O Portal Secreto (The Portable Door, 2023), também traz a colega Miranda Otto, nome mais famoso do elenco desse Fale Comigo. Os demais não destoam, com destaque também para o garoto Joe Bird, que vive um irmão mais novo que quer ser respeitado pela turma mais velha da irmã (Alexandra Jensen).

Não é de se estranhar, dado o histórico dos Philippous, que a trama aproveite a questão das redes sociais e vídeos que viralizam, se provando bem atual. Isso, somado a efeitos práticos e a um grande cuidado com o design de produção, resulta em algo muito crível, com a vitalidade de outros grandes independentes do gênero. Assim como em vários outros casos, os Philippous podem ter dado aqui o pontapé inicial de uma franquia, a exemplo de Uma Noite de Crimes e Jogos Mortais. O primeiro, no entanto, será sempre o mais fresco.

Os Philippou levaram seu elenco ao Festival de Sundance

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Som da Liberdade e suas polêmicas chegam ao Brasil

Chegou aos cinemas essa semana Som da Liberdade (Sound of Freedom, 2023), longa que aguardava por lançamento há algum tempo por falta de fundos e que acabou sendo abraçado por uma produtora cristã, que providenciou o necessário para a estreia em vários países. De cara, a obra foi elogiada e defendida por personalidades norte-americanas de direita, como o ex-presidente Donald Trump e sua família, gerando polêmicas e discussões sobre as reais realizações do protagonista.

Para situar o leitor, a trama acompanha Tim Ballard (Jim Caviezel, o Jesus de A Paixão de Cristo, 2004), um agente do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos que, depois de prender vários pedófilos, consegue finalmente resgatar um garotinho vítima do tráfico sexual no país. Ao ter contato com a família do menino, Ballard descobre que a irmã dele também foi sequestrada e resgatá-la se torna sua missão de vida. Sem apoio de seus superiores, ele pede demissão e segue sozinho, contra tudo e contra todos.

Em 2015, com a chegada do então mais recente trabalho do diretor Clint Eastwood, Sniper Americano, (re)começou-se uma discussão sobre o uso do Cinema como propaganda. Pode um filme tecnicamente impecável ter vários defeitos de ordem ideológica? Assim como o longa de Eastwood, esse Som da Liberdade tem um roteiro altamente questionável. A começar por tratar seu protagonista como um super-herói perfeito, infalível e 100% abnegado, que aceita ficar longe da família por tempo indeterminado e correr o risco de deixar os filhos órfãos por desconhecidos em um país que não é o dele.

Ballard, no filme, não titubeia por um segundo e parece uma força incontrolável. Já o Ballard real foi criticado várias vezes por exagerar seus feitos, e é bom apontar que quase tudo o que vemos na tela é baseado em relatos do próprio. Assim como Chris Kyle, o sniper americano, ele seguiu por conta própria e se tornou uma espécie de justiceiro, atropelando leis por um suposto bem maior. Quando se coloca a famigerada frase “baseado em fatos”, fica impossível não gerar esse tipo de discussão e não ficar pensando no que de fato deve ter acontecido.

Tanto Ballard quanto seu intérprete, Caviezel, já apoiaram publicamente os malucos do QAnon, grupo que acredita que há uma seita envolvendo políticos do Partido Democrata e estrelas de cinema, que sequestrariam crianças para usar um hormônio gerado na tortura delas para se manterem jovens. Dentre outras insanidades, eles dizem que essa seita domina o alto escalão norte-americano, o presidente Joe Biden já teria morrido e o salvador de todos nós seria ninguém menos que o canalha Trump, ídolo deles.

Se Som da Liberdade começa bem razoável, seu roteiro vai se tornando cada menos crível. Tomar conhecimento desses fatos, digamos, externos ao filme faz com que ele fique ainda pior. A organização sem fins lucrativos fundada por Ballard para combater o tráfico infantil já foi acusada até de levar os louros de ações não realizadas por eles. Até o momento, o longa já faturou dez vezes o que gastou para ser produzido, com igrejas e grupos políticos comprando dezenas de ingressos que não necessariamente são usados, prática conhecida como “pay it forward”, na qual os ingressos são comprados e ficam disponíveis para quem não tem condições de arcar com o custo. Sessões ficam esgotadas e as salas, muitas vezes, vazias.

Muitas conspirações foram inventadas em torno de Som da Liberdade, até que uma grande rede de cinemas estaria sabotando-o – o que não tem qualquer fundamento e já foi desmentido até pelos responsáveis pelo filme. O diretor e corroteirista, Alejandro Monteverde (de Little Boy, 2015), já disse em entrevistas que seu filme não tem qualquer ligação com o QAnon, mas seu astro vai na contramão. É triste porque desvia a conversa do conteúdo, focando nas controvérsias e dividindo o público antes mesmo de assistir. Para os bolsos dos produtores, no entanto, a atenção é muito bem-vinda.

O verdadeiro Ballard foi com a família prestigiar o lançamento do longa

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