Adam Sandler ganha polida em Jóias Brutas

por Marcelo Seabra

Se existisse um prêmio para personagem de Cinema mais irritante, certamente o deste ano iria para Howard Ratner, o joalheiro vivido por Adam Sandler em Jóias Brutas (Uncut Gems, 2019). Este é sem dúvida o melhor trabalho da carreira do ator, conhecido por tantas besteiras rasteiras – o que, por isso mesmo, não significa tanto. Mas Sandler realmente encontrou uma forma de superar as caretas usuais e criar algo único, marcante e realista.

Depois de um ótimo resultado com Robert Pattinson, que esteve em Bom Comportamento (Good Times, 2017), os irmãos Safdie emplacaram outra parceria inusitada. Mesmo tendo outros dramas no currículo, Sandler nunca havia abandonado totalmente seus maus hábitos. Nem trabalhar com diretores elogiados como Paul Thomas Anderson (de Embriagado de Amor, 2002) ou Noah Baumbach (de Os Meyerowitz, 2017) em dramas sensíveis fez com que ele parasse de fazer caretas ao tentar demonstrar emoções genuínas. Foi com Benny e Josh Safdie que Sandler chegou lá, compondo um tipo tridimensional que não se cansa de praticar a autossabotagem.

Howard Ratner é o típico sujeito que tira de um lado para colocar no outro, o tal “cobre um santo descobrindo o outro”. Suas jogadas exigem que ele seja um tanto dissimulado, lidando perigosamente com as possibilidades. As apostas que pagam mais são as mais arriscadas, as preferidas dele. E uma é encadeada na outra. Ele frequentemente se pergunta por que as coisas não dão certo para ele. E o culpado por isso é ele e somente ele. Com uma esposa (Idina Menzel, a voz da Elsa de Frozen) e filhos esperando em casa, ele arruma desculpas para ficar com a amante (a estreante Julia Fox) em eventos badalados ou no apartamento que ele mantém para ela.

A grande oportunidade vem quando ele recebe uma pedra preciosa bruta da Etiópia e vê nela a chance de quitar todas as suas dívidas. Se envolvendo com os mais diversos personagens, do agente de um importante jogador de basquete (LaKeith Stanfield, de Death Note, 2017) a um agiota (Eric Bogosian, de Billions) já sem paciência para desculpas, Ratner segue num ritmo acelerado, acompanhado pela câmera de Darius Khondji (de Okja, 2017), que ajuda a nos dar a sensação de que algo grande logo vai acontecer. O corroteirista Ronald Bronstein é também o montador do longa, repetindo com os diretores a parceria de Bom Comportamento, Amor, Drogas e Nova York (Heaven Knows What, 2014) e de Go Get Some Rosemary (2009).

Os Safdies rapidamente se estabeleceram como mestres na arte de criar ansiedade no público. Seus trabalhos exalam um senso de urgência e, mesmo que seus protagonistas tenham caráter duvidoso, acabamos torcendo por eles. Além de Ratner ser alguém de quem teríamos distância na vida real, ele causa ainda mais repulsa por ser interpretado por um ator lembrado por papéis bestas em obras canhestras – algumas, inclusive, produzidas pela Netflix, como é o caso aqui. Ou seja: um grande acerto dos irmãos.

Os diretores abraçam seu astro

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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