Kingsman 2 exagera e erra a mão

por Marcelo Seabra

Depois do sucesso do primeiro filme, em 2014, uma sequência de Kingsman já era certa. E um problema era claro: como voltar a esse universo e não contar com a figura fundamental de Colin Firth? Pois Matthew Vaughn resolveu a empreitada e Kingsman: O Círculo Dourado (Kingsman: The Golden Circle, 2017) chega aos cinemas essa semana. A má notícia é que a nova produção eleva à décima potência o que já estava no limite na anterior, começando pela duração.

Vaughn parece ter se divertido muito fazendo o primeiro e topou retornar para a continuação, assim como sua parceira roteirista, Jane Goldman. No elenco, todos que precisaram voltar aceitaram o convite. Só quem não voltou foi o frescor, já que a história deixou de ser novidade. Para tentar compensar essa baixa, a dupla pegou as situações e jogou nas alturas, perdendo timing, exaurindo o humor e extinguindo a paciência do público.

Devidamente formado nas artes de lutas e cavalheirismo, Eggsy (Taron Egerton) assumiu o nome de Galahad e ainda lamenta a perda de seu mentor, Harry, o Galahad anterior (Firth). Vivendo uma vida tranquila com a namorada, a Princesa Tilde (Hanna Alström), ele tem sua realidade perturbada após um encontro com o desafeto Charlie (Edward Holcroft), que disputou a vaga na Kingsman com ele.

Devido às novas circunstâncias, Eggsy se une a Merlin (Mark Strong) para descobrirem o que é e o que pretende o Círculo Dourado, uma organização criminosa que estaria ligada à desgraça da agência inglesa. A líder dos bandidos, Poppy (Julianne Moore, do último Jogos Vorazes), vive numa vila secreta, no meio de uma floresta, com uma ambientação de uma lanchonete dos anos 50. Para se sentir mais em casa, ela sequestrou ninguém menos que Elton John, que vez ou outra faz apresentações particulares.

Sem entrar muito em detalhes, em algum momento os ingleses se encontrarão com os “primos” americanos, a agência Statesman. A forma como um grupo descobre o outro é apenas uma das muitas situações apressadas ou não explicadas do roteiro. Com os Statesmen, os ingleses Vaughn e Goldman vislumbram uma oportunidade para brincar com os clichês norte-americanos da mesma forma como fizeram com seus conterrâneos. A diferença é o conhecimento de causa, que falta aos roteiristas quando se atravessa o Atlântico. Sem saber exatamente do que zombar, acaba-se caindo em lugares-comuns vazios e sem graça.

O papel das mulheres na trama, que já causava certo desconforto no primeiro filme, piorou. Além de vítimas em perigo, elas servem para serem usadas (Clara) ou deixadas para escanteio (Ginger Ale, uma Halle Berry apagada). Poppy Delevingne (sim, esse nome existe! – acima), que vive Clara, tem a única função de ser um colírio para o público masculino, mas exibe uma magreza que não pode ser saudável. Só Julianne Moore se salva, fazendo uma vilã exagerada inspirada, segundo ela, no Lex Luthor de Gene Hackman. Piadas de cunho sexual não faltam, colocando até Elton John no meio. A participação do cantor, inclusive, começa engraçada e vai nos enervando até que começamos a desejar o pior para ele.

Os Statesmen respondem pelos outros novos nomes no elenco. O chefe deles é ninguém menos que Jeff Bridges (que disputou o Oscar com Firth duas vezes, levando por Coração Louco, 2009), visto de cara limpa pela primeira vez em anos. Channing Tatum é praticamente o Magic Mike devidamente treinado, forçando ao máximo a figura do sulista viciado em armas, bebida e tabaco. Não ao máximo: essa função fica com o chileno Pedro Pascal (de Narcos), que, com seu bigode à Burt Reynolds, acaba sendo o mais americano de todos. O laço com laser de seu personagem é responsável por algumas das cenas mais exageradas.

A sátira política que o filme parece querer fazer é um tiro no pé gigantesco. No primeiro filme, vemos cabeças explodindo e uma delas é a de um presidente americano negro, claramente Barack Obama. Ou seja: não há problema em brincar com a realidade, mesmo que fique parecendo racismo ou posicionamento político. Se é assim, por que não sacanear Donald Trump? Os realizadores preferem usar um presidente fictício – o terceiro da carreira de Bruce Greenwood (ao lado), de A Lenda do Tesouro Perdido 2 (2007) e Treze Dias Que Abalaram o Mundo (2000). E, quando achamos que há uma piada sendo feita com o direitão canal Fox, personificado por Emily Watson (de A Teoria de Tudo, 2014), ela acaba mostrando sua real natureza, e lembramos que o filme é bancado pela própria Fox.

Com inacreditáveis duas horas e vinte minutos de duração, 80 minutos a menos que a montagem preliminar, Kingsman 2 se estende demais em vários momentos. “Menos é mais” é uma máxima aplicável aqui, Vaughn deveria ter isso em mente. Depois de uma invejável fila de cinco ótimos filmes, desde a estreia, com Nem Tudo É o Que Parece (Layer Cake, 2004), o diretor derrapou. Torçamos para ele ter consciência disso, já que uma terceira aventura já está confirmada.

A revista People reuniu o elenco de cara limpa

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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