Colossal brinca com o Cinema de monstros

por Marcelo Seabra

Gloria é uma jovem escritora que pode estar desempregada por beber demais ou pode estar bebendo demais por estar desempregada. A bagunça que ela faz de sua vida acaba afastando o namorado e ela se vê sem dinheiro e onde morar, não tendo outra opção a não ser voltar para a casa vazia onde cresceu. Lá, reencontra um amigo de infância, vai trabalhar no bar dele, e ainda se interessa por um local. Por essa premissa, Colossal (2016) pareceria mais um filme independente bonitinho, mas é aí que aparece um monstro gigante.

Com um conceito estapafúrdio, que mais parece uma ideia errada de um programa de comédia, o diretor e roteirista Nacho Vigalondo (do elogiado Crimes Temporais, 2007) criou seu próprio Godzilla – comparação que já deu até processo na justiça. E o mais surpreendente: o projeto deu certo e foi bem recebido nos dois festivais por onde passou, Toronto e Sundance. Traz à mente outros vários filmes, como O Nevoeiro (2007), Poder Sem Limites (2012) e Hora de Voltar (2004), mas consegue ter personalidade.

No papel principal, Anne Hathaway (de Interestelar, 2014) torna crível a situação de Gloria, com uma expressão perdida e um cabelo armado, despida de vaidade. É interessante reparar nos tiques da personagem, como pegar o cabelo pelo meio, o que denota uma composição detalhada. Como sua inesperada dupla, temos Jason Sudeikis (dos dois Quero Matar Meu Chefe), figura habitual em comédias bobas, mas que volta e meia prova ser capaz de mais. Juntos, eles convencem como amigos de longa data, e essa química vai permitir que o roteiro avance.

Vigalongo consegue conduzir as coisas de modo que, sem o público perceber uma ruptura, o filme parece mudar de gênero. O roteiro não pira tanto quanto poderia, ou prometia, mas dá umas voltas loucas que prendem a atenção do público. Uma criatura enorme começa a atacar Seul, a capital da Coreia do Sul, e Gloria fica devastada, mesmo a catástrofe estando do outro lado do mundo. Ela logo descobre uma ligação com o monstro e começa a entender o que está acontecendo.

A satisfação com a conclusão de Colossal vai do entendimento de cada um quanto às regras daquele universo. Uma vez criada, a regra deve ser seguida, o que permite ao espectador comprar a ideia. Ter personagens que lembram seres humanos reais, com qualidades e falhas, ajuda muito. Além dos principais, há o namorado, vivido por Dan Stevens (de Legion), e dois amigos, na pele de Tim Blake Nelson (de Quarteto Fantástico, 2015) e de Austin Stowell (de Ponte dos Espiões, 2015). Com todas essas peças bem encaixadas, nem percebemos quase duas horas passarem.

Vigalondo lançou o filme em Toronto com seu elenco

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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2 respostas para Colossal brinca com o Cinema de monstros

  1. Rodrigo Rodrigues disse:

    Marcelo
    Boa noite,
    Ao assistir o filme admito que a mistura feita pelo diretor , por mais complicada em se apresentar, funciona.

    Mas , ao escrever sobre o filme, fiquei com a impressão que o filme falha perigosamente (banalizar, no caso) ao discutir os assuntos que tenta abraçar. Principalmente os relacionados a agressão contra a mulher . Não achou ?

    Abraços

    • opipoqueiro disse:

      Rodrigo, não acho que o foco era tratar questões polêmicas, como a agressão à mulher. Isso foi mais para mostrar a mudança pela qual o personagem passa e o atrito cada vez maior entre os dois. Apesar de amigável em um primeiro momento, o sujeito não passava de um babaca. Foi isso que vi.
      Abraço!

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