Diretor estreante assusta com A Bruxa

por Caio Lírio

The Witch Folktale

Bruxas sempre serviram como uma interessante alegoria para o universo fantástico que o cinema adora explorar. Em filmes de terror, a representação da misteriosa figura feminina, ligada à cultura pagã (também bastante recorrente nesse tipo de longa), sempre apareceu como temática para os ímpetos criativos de vários realizadores do gênero. Para o estreante Robert Eggers, não funcionou diferente. O diretor e roteirista se lança atrás das câmeras e usa esse ser folclórico para reunir artifícios suficientes e contar uma história macabra e cheia de nuances sombrias, mas, diferente do que estamos acostumados ultimamente nos longas de horror, sem se valer de artifícios baratos que subestimem a inteligência do espectador.

Em A Bruxa (The Witch: A New-England Folktale, 2015), voltamos ao século XVII, na década de 1630 (cerca de 50 anos antes dos ensaios em Salem), onde se estabeleciam as primeiras colônias dos Estados Unidos, formadas por puritanos na região da Nova Inglaterra. Lá, uma ultra religiosa família formada pelo fazendeiro William (Ralph Ineson, de Kingsman, 2014), sua esposa Katherine (Kate Dickie, de Game of Thrones) e seus cinco filhos é expulsa do vilarejo onde vivem depois que William critica os métodos pouco ortodoxos de seus conterrâneos, que segundo ele, não seguiam a rigor os princípios cristãos. Imbuídos apenas do seu fanatismo religioso, a família se isola na entrada de uma sombria floresta, mas parece que a fé extremada não é suficiente para impedir que acontecimentos macabros passem a acontecer.

The Witch

Se você é daqueles que buscam filmes de terror simplesmente para levar sustos arquitetados de maneira fácil através de acordes altos e repentinos ou de bruxas e monstros saltando de trás das arvores, esqueça! Eggers constrói toda a narrativa em cima de uma atmosfera lúgubre, densa e principalmente silenciosa, onde a tensão aumenta gradativamente diante de sugestões que nem sempre são mostradas em tela. É em cima desses indícios que o diretor conduz o público a querer permanecer naquele universo onde o foco não é a personagem título, mas todas as consequências enfrentadas pela família diante do isolamento, algo que lembra muito o clássico O Iluminado (The Shining, 1980), do mestre Kubrick.

Os atores criam uma sintonia eficiente e oferecem elementos grandiosos para demonstrar a solidão que os acomete. Com isso, o projeto também reforça a máxima de que um filme de terror se torna mais potente e assustador quando simplesmente evoca conflitos humanos e, nesse quesito, a premissa fica clara quando o diretor, através de pouquíssimos elementos, foca nas relações e sentimentos daqueles personagens com o ambiente onde estão inseridos e toda a mítica e perigos que eles irão enfrentar dali por diante.

É interessante como Eggers recorre a documentos e registros reais da época para criar um universo sufocante e repressor que vai desde o comportamento cheio de regras da família até às falas dos seus personagens, com diálogos em inglês arcaico, passando pelo figurino e cenários detalhados, num trabalho de reconstrução histórica minucioso. A fotografia escura e desaturada fornece elemento imprescindível para que o cineasta construa uma lógica visual em cima de sombras e planos escuros iluminados apenas com velas, onde mesmo aqueles personagens vivendo em um terreno grande em frente a um bosque ainda maior não deixem de perceber o quanto aquele ambiente sufoca e apequena aquelas pessoas no decorrer da projeção.

Tudo isso, além de trazer uma metáfora interessante com a culpa da moral cristã, que recai sobre a família como algo tão maligno quanto o fato dela acreditar que forças sobrenaturais estão amaldiçoando pessoas tão devotas. A Bruxa funciona muito bem se valendo de recursos simples e analógicos (que sobrepõem os efeitos digitais tão comumente usados no terror de hoje), oferecendo uma narrativa verossímil, tensa e sombria através de um elemento que assombra adultos e crianças, cristão e hereges, nas artes ou na vida real, desde os primórdios dos tempos.

The Witch Sundance

Eggers (à direita) levou o prêmio de melhor diretor em Sundance

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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3 respostas para Diretor estreante assusta com A Bruxa

  1. Ade Lourenço disse:

    Excelente texto sobre o filme! E é engraçado e triste ao mesmo tempo, que eu gostei muito do filme, exceto o final, eu “cortaria” em alguns minutos para finalizar antes. Mas a tristeza foi que o pessoal saiu da sala xingando, 80% falando que era uma merda, etc. E eu penso: “será que você não entendeu o que o diretor quis passar? O peso da historia pelo folclore da época, você não cansa dos filmes de terror de puro clichê?”. Realmente um excelente filme, mas que apenas os cinéfilos de plantão e amantes da sétima arte irão gostar, a todos que curtem “sessão pipoca” , e filmes a recheados de “jump-scare” e vultos, deve-se passar longe.

    • opipoqueiro disse:

      É, Ade, tem gente que vai com a expectativa de ser mais uma bobagem, e o pior: quer isso. Quando é oferecido algo a mais, a pessoa se revolta. Uma pena! E obrigado pela visita!

  2. Kennedy disse:

    Texto bom, mas o filme realmente deixa muito a desejar, a meu ver. É particularmente mal resolvido: não sabe se quer ser um terror mais psicológico ou sutil ou se quer realmente assustar. Muitos falam na ausência de músicas que induzem ao susto, mas existem várias passagens com um uso desnecessário de uma música tonitruante. Por outro lado, vejo como um acerto a escolha por um tom mais contido (mesmo que se desvincule disso várias vezes). O desenvolvimento da obsessão religiosa da família e a consequente pressão que isso exerce nos filhos é ponto alto na obra. Mas falha miseravelmente em passar o sofrimento de uma personagem em particular, sem falar que há diversos momentos que eram para ser tensos e não são, pelo contrário, chegam a ser cômicos, principalmente a cena da possessão daquele menino lá pelo final.

    Esse argumento de que terror não se resume a sustos não cola mais para justificar obras problemáticas como essa. Não é um filme ruim não, mas esse hype todo não se justifica. O que salva tudo é mostrar a obsessão religiosa daquela família e como isso acabou influindo na mentalidade daquelas crianças perturbadas. Porque nem a construção da atmosfera é tão eficiente assim. A partir do momento em que as coisas ficam tensas, vem uma cena e fode tudo: ao invés de provocar horror (horror, e não susto), provoca risos.

    Mas na verdade é tudo muito subjetivo. Cinema é subjetivo demais, envolve muito os sentidos, e para um filme de terror mais ainda. Mas definitivamente é um filme hypado demais. Filme recente que é muito mais eficiente em criar uma atmosfera dúbia e perturbadora é “Boa Noite, Mamãe”.

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