Quinto constitucional ou quinto dos infernos?

O quinto constitucional é um avanço democrático e não pode ser, em nome de erros individuais, reduzido ao quinto dos infernos

Dr. Bady Curi Neto**

O quinto constitucional é a regra esculpida na Constituição Federal que determina que a composição dos órgãos de segunda e superiores instâncias da jurisdição sejam compostos em um quinto de seus membros por advogados (com mais de 10 anos de efetivo exercício da profissão, notório saber jurídico e reputação ilibada), e por membros do Ministério Público (MP).

Após a desastrosa decisão do Desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 8ª Região que determinou a soltura do ex-presidente Lula, em inusitado habeas corpus protocolado no plantão, condenado a mais de 12 anos de prisão, cujos recursos encontram-se em instâncias superiores, acenderam-se as luzes contra o quinto constitucional. Diversas postagens nas redes sociais e na imprensa estão execrando o quinto constitucional, intitulando-o como o “quinto dos infernos”, atribuindo todas as mazelas do Poder Judiciário aos magistrados oriundos da classe dos advogados e do Ministério Público.

Não restam dúvidas, a meu sentir, que aquele magistrado, que ingressara no TRF pela classe dos advogados, exacerbou sua competência, tanto que além de ter reformada a sua decisão (no próprio plantão), passou a responder processo perante o Conselho Nacional de Justiça e está sendo investigado pelo Ministério Público Federal por crime de prevaricação, mas daí estender sua “incompetência” ou “parcialidade” a todos os magistrados provenientes da advocacia ou do MP é uma distância abissal.

A generalização é perigosa para quaisquer julgamentos. Há pouco tempo tivemos a condenação do juiz federal, Flávio Roberto de Souza, conhecido por ter sido flagrado dirigindo um veículo Porsche apreendido de Eike Batista, nos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, em primeira instância, a uma pena de 52 anos de prisão. Este fato isolado não contamina a postura dos diversos magistrados de carreira que atuam com probidade e imparcialidade é curial.

Nelson Rodrigues, em célebre frase a ele atribuída, dizia que “toda unanimidade é burra”, assim como toda generalização não fica atrás.

Lado outro, ao contrário dos EUA, considerada a maior democracia do mundo, na qual os representantes dos três poderes são eleitos pela vontade popular, inclusive os juízes, o Brasil optou que os magistrados, ao avesso de deputados, vereadores, senadores e chefes do executivo, ingressassem no Poder Judiciário através de concurso público.

A importância do quinto constitucional consiste para que na segunda e superiores instâncias tenham parte dos julgadores compostas de advogados e membros do MP, isto serve para democratizar o Poder Judiciário, trazendo visões e experiências novas para os Tribunais.

A nobre e árdua função de julgar os seus semelhantes exercidas pelos magistrados de primeiro grau, pode, dado ao volume exacerbado de processos, audiências, sentenças, decisões interlocutórias, em um trabalho hercúleo, os colocarem longe do dia a dia da população, isolando-os da realidade da sociedade, sendo de suma importância, na composição dos Tribunais, que haja uma “oxigenação” de experiências e conhecimentos distintos, uma nova visão, que somados irão resultar em julgamentos mais democráticos, consubstanciando em jurisprudências que norteiam os pensamentos jurídicos e demais decisões.

** Por Bady Curi Neto, advogado e ex-juiz TRE-MG. Sócio-fundador do escritório de advocacia empresarial que leva o seu nome

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17 thoughts to “Quinto constitucional ou quinto dos infernos?”

  1. Exmo Sr. Bady Cury Neto.
    Aproveito o espaço e solicito uma manifestação sobre o que este blog publicou sobre o TSE.
    Vejam o que nos informa o Estadão em sua edição de hoje:

    “O TSE lançou edital para a compra de material de “reabilitação fisioterápica” para seus servidores. Na lista de itens está incluído um turbilhão “–uma espécie de tanque com água se movendo como um redemoinho para utilização em braços e pernas (R$ 11,4 mil)”, esteira ergométrica de R$ 11 mil, máquina de gelo de R$ 9,8 mil, bicicleta ergométrica, R$ 5,6 mil, ultrassom terapêutico R$ 1,47 mil e caixa de som portátil com conexão bluetooth, R$ 536,58.”

    Eu pago o melhor plano de saúde que posso e não tenho acesso a isso. Aliás, apenas 30% da população possui plano de saúde, sendo que 90% são de planos básicos. Ou seja, obviamente não têm também. Acho que não preciso falar sobre os demais 70% de brasileiros assistidos pelo SUS, né? Não têm nem atendimento de emergência, coitados, quiçá fisioterapia assim.

    Quem banca a fisio da turma do TSE? Os funcionários, com seus próprios salários, ou o tal “dinheiro público”? A mesma pergunta vale para o reembolso integral de despesas médicas para os valentes congressistas e famílias. Por que nossos heróis caminhoneiros não protestam contra isso? Por que você que é “somos todos caminhoneiros” não protesta contra isso? Por que, com exceção de João Amoêdo e Flávio Rocha, nenhum outro candidato à Presidência se indigna com isso?

    Quer mudar? Vote certo. Vote em candidatos liberais para o Congresso Nacional. Só lá as leis podem ser alteradas para acabar com este tipo de afronta ao seu (ao meu) trabalho, suor e dinheiro. Fechar estrada, xingar na internet ou pedir golpe militar não adiantará nada. Ao contrário! Só servirá para manter o poder nas mãos de quem já está lá ou quer chegar para mamar junto.

    A escolha é sua. Sempre foi. Que tal começar a fazer bom uso dela?

  2. Caro Senhor Bady,
    Sua análise sobre os fatos limita e apequena a discussão.
    O que está em questão é o próprio judiciário e não um de seus membros e o “Quinto”.
    Se o Juiz Plantonista exagerou, muito mais ainda o fez o Juiz Moro que resolveu dar pitacos onde não devia mesmo estando em férias fora do Brasil.
    Pior ainda se diga da decisão do Presidente do TRF 4, competente administrativamente, porém padecedor de competência para a decisão que tomou.
    Se o Juiz Plantonista responderá por seus atos, muito bem. Mas, o senhor deixa de dizer que os demais Juízes envolvidos também o serão junto ao CNJ.
    A questão, como se vê, não se restringe ao Juiz Plantonista. Vai muito além, transbordando para o papelão que o judiciário vem desempenhando e tendo no Juiz Moro e suas ilegalidades o maior exemplo de tudo isso.

    1. Não vejo o Juiz Moro desempenhando ilegalidades, apesar de não concordar com algumas decisões, juridicamente falando. Mas que a discussão deve ser mais ampla, concordo, mas este texto foi para defender minha posição a respeito do Quinto.

    2. Marcelo, a ‘ordem’ de soltura não chegou até Sergio Moro e nem na polícia federal antes que ‘tudo’ voltasse à estaca zero mantendo o lula preso.
      O juiz e a polícia não podem atender a ‘recados verbais’ sejam eles transmitidos pela mídia ou pelo próprio desembargadoido de plantão.
      Se o Moro estava de férias não sei se ele deveria parar as férias para atender a ordem do desembargador(realmente não sei) mas certamente e em primeiro lugar tinha que ter a ordem de soltura via documento em mãos e não via Gleisi berrando, youtube ou telefonemas.
      Eles tinham que esperar os documentos para seguirem as ordens.
      Claro, todos os níveis da justiça que preservam o lula na cadeia sempre estão errados aos olhos petistas, não é mesmo?
      Só quando um desembargadoido que já se fu toddynho foi a favor e cometeu suicídio e teve apoio petista, os outros são incompetentes, certo?

  3. Bady, todos sabem que a nomeação para o quinto da OAB é determinado por política. Fica com a vaga aquele que possui maior poder de influência, inclusive se estiver aparelhado com o Chefe do Poder Executivo que irá nomeá-lo. Sinceramente, a capacidade técnica não fica em primeiro plano e a finalidade do instituto é desvirtuada. Aliás, acredito que você não tem parcialidade para analisar esta questão pelo fato de já ter sido agraciado por essa benesse no TRE/MG. Por fim, as nomeações para o quinto da OAB das filhas dos ministros do STF (Fux e Marco Aurélio) para o TRF-2 e TJRJ e de outros filhos de magistrados (qualquer semelhança não é mera coincidência) somente reforçam essa convicção.

    1. O Instituto do quinto é bom para o Jurisdicionado. Quanto a alegada parcialidade por ter sido do TRE/MG é um argumento pequeno, poderia me calar, mas defendo aquilo que acredito assinado com nome e sobrenome e não lançando palavras sem identificação.

  4. Utopia: “A importância do quinto constitucional consiste para que na segunda e superiores instâncias tenham parte dos julgadores compostas de advogados e membros do MP, isto serve para democratizar o Poder Judiciário, trazendo visões e experiências novas para os Tribunais.”

    A verdade: Quinto constitucional (e outros formas de indicação) é a forma utilizada pelos políticos para alçar ao cargo de desembargadores pessoas que vão lhe proteger das presepadas que estão por vir. Não adianta, se foi indicado, deve favor. É a regra no brasil (minúsculo).

    Quem acompanha a trajetória do TJMG e decisões de suas câmaras (suponho que nos outros também aconteça, e até pior), vai se deparar com decisões de conveniência a grandes grupos políticos e empresariais. Ter um desembargador “na manga” é muito importante para um governante corrupto. Sem contar um jovem indicado, oriundo do MPMG que há pouco tempo foi afastado por vender HC… mas se investigar encontram muito mais…

    Quinto constitucional é o inferno mesmo!!!

    1. Nos Tribunais o julgamento é realizado, em regra, pelo colegiado e não monocraticamente, por tanto, não se pode atribuir ao quinto a responsabilidade que pretende. Quanto o afastado proveniente do MPMG, em toda profissão corre o risco de pessoas que não trabalham de forma republicana, mas será nenhum juiz de carreira foi afastado?

  5. ‘Nelson Rodrigues, em célebre frase a ele atribuída, dizia que “toda unanimidade é burra”, assim como toda generalização não fica atrás.’
    Penso qual grau de capacidade atribuem a ‘Nelson Rodrigues’ para que se firmem nessa afirmativa sobre unanimidade. Em que ele e os que usam a afirmativa se baseiam?

    ‘A generalização é perigosa para quaisquer julgamentos.’
    Sim mas a classe que tem mais mercenários é a advocacia, muito mais numerosa de mercenários que a de políticos e isso não é ‘julgamento’, é fato!
    Assim sendo, como trarão visões e experiências novas para os tribunais com os costumeiros hábitos?

      1. Como assim.
        Sr. Bady, o senhor esteve como juiz e ainda continua no ‘meio’ deles como advogado, sabe muito bem que são mercenários pelos seguintes motivos: cobram para iniciar o processo e têm comissão caso a causa seja ganha mas quando o caso é difícil, só realmente se empenham em vencer se a causa for de grande valor senão o desleixo costumeiro(sim, costumeiro) entra em ação nas causas de pequeno valor pois já receberam pra fazer o processo.
        É exatamente aí que se encaixa a frase: “O profissional da iniciativa privada, se for bom, coloca o preço do seu serviço que acha justo”. certo, se for bom o que é raro mas o “preço que acha justo” aos olhos de quem?
        Aproveito para louvar o advogado Roberto Carvalho Santos, este sim é um caso raro, empenhou em uma causa que era extremamente difícil e consegui além do impossível aos olhos de leigos, foi e é extremamente honesto e memoriza as causas e clientes, tem competência e honestidade, espero que o Sr. o conheça.
        Por outro lado, conheço dezenas(dezenas) de mercenários que não comparecem em audiências, recebem ‘adiantado’ e quase nunca prestam atenção nos andamentos dos processos, só cuidam dos que os interessam ao ponto de clientes terem que alerta-los sobre andamentos processuais e no final propõem ‘acordos’ para o bem de todos(da classe) mas resultados ruins para os clientes, esta é a maioria.
        Os sérios são raros.
        Mais uma vez aproveito para perguntar, se me permite observando esta condição sobre o quinto constitucional:
        “Os advogados, além de mais de dez anos de efetivo exercício profissional, devem também possuir notório saber jurídico e reputação ilibada.”
        Concordo mas gostaria de saber ‘quem’ os avalia e ‘como’ são avaliados os 10 anos de experiência profissional somados ao notório *saber jurídico com a rara reputação ilibada?
        *saber jurídico: sinceramente, muitíssimos advogados não sabem nada, são advogados que copiam e usam jurisprudências achadas na internet usando google, ‘se protegem’, se encontram ou se comunicam por telefone sobre as causas e assim sendo como podem ter reputação ilibada?
        O mais importante é: Quem os avalia? A OAB que usa os parâmetros protecionistas que descrevi acima? Um ‘tribunal’ com votação interna composta por ‘quem’???

    1. Um mensageiro à jato que humilhava os réus mas é tupiniquim?
      Aqui ocorre o mesmo há um bom tempo, é ‘quase’ um paralelo ao G.Mendes, mais ou menos por aí!

  6. Se fosse utilizado para seu verdadeiro fim, que você citou muito bem em seu texto, seria realmente benéfico. Mas, como quase tudo aqui no Brasil, o fim muitas vezes é desvirtuado e o quinto deixa de cumprir sua missão. Basta ver, por exemplo, indicações de filhos(as) de ministros, sem que sejam cumpridos os devidos pré-requisitos…

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